Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
O artigo 36.º da Constituição da China de 1982 (revisto em 2018) refere que “os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade de crença religiosa. Nenhum órgão estatal, organização pública ou indivíduo pode obrigar os cidadãos a acreditar ou não em qualquer religião, nem pode discriminar cidadãos que acreditem ou não em qualquer religião”. O mesmo artigo acrescenta que o Estado protege as “actividades religiosas normais”. Sem fornecer qualquer definição de “normal”, proíbe claramente o uso da religião para actividades que “perturbem a ordem pública, prejudiquem a saúde dos cidadãos ou interfiram com o sistema educativo do Estado”. Além disso, as organizações e actividades religiosas não devem estar “sujeitas a qualquer dominação estrangeira”.[1]
Na prática, o artigo 36.º da Constituição apenas protege as actividades das cinco tradições religiosas oficialmente reconhecidas — Budismo, Taoísmo, Islão, Protestantismo e Catolicismo — e apenas as que são governadas por associações “patrióticas” aprovadas pelo Estado. A prática ou expressão religiosa fora do aparelho controlado pelo Estado é ilegal e tem sido penalizada, em diferentes graus, ao longo dos últimos 75 anos, com punição, repressão e perseguição, mas também com tolerância parcial por parte das autoridades locais em alguns locais.
A 1 de Fevereiro de 2018, entraram em vigor os Regulamentos sobre Assuntos Religiosos revistos, que constituem uma das novas leis mais restritivas sobre a prática religiosa. Actualizam os Regulamentos sobre Assuntos Religiosos de 2005 e limitam as actividades religiosas colectivas a locais registados. De acordo com a Christian Solidarity Worldwide (CSW), estes regulamentos revistos "reforçam ainda mais o controlo sobre as actividades religiosas". Afirmam que "os grupos religiosos, as escolas religiosas e os locais de actividades religiosas e assuntos religiosos não devem ser controlados por forças estrangeiras" e estipulam que a religião não deve pôr em perigo a segurança nacional. Os regulamentos impõem também restrições adicionais à comunicação de conteúdos religiosos, escolas religiosas e obras de caridade.[2]
Desde Março de 2018, os assuntos religiosos passaram a ser geridos pelo Departamento de Trabalho da Frente Unida (um órgão do Partido Comunista Chinês), que absorveu a Administração Estatal de Assuntos Religiosos (AEAR). A integração da AEAR deu ao Partido Comunista a gestão directa dos assuntos religiosos.[3]
Em Abril de 2018, o Governo chinês publicou um novo Livro Branco intitulado "As Políticas e Práticas da China para a Protecção da Liberdade de Crença Religiosa". De acordo com o Livro Branco, será fornecida "orientação activa" às organizações religiosas para as ajudar a "adaptar-se à sociedade socialista", e os estrangeiros poderão realizar actividades religiosas frequentadas por estrangeiros em locais aprovados pelos departamentos governamentais de assuntos religiosos a nível de município ou superior.[4] De acordo com o Livro Branco, os ensinamentos e as regras religiosas devem ser interpretados "em conformidade com as condições e exigências nacionais da época". Na prática, isto significa que a religião deve servir o Partido Comunista.
Os membros do Partido Comunista Chinês (PCC) e das forças armadas são obrigados a ser ateus e proibidos de realizar práticas religiosas. Desde a implementação do Regulamento sobre Assuntos Religiosos revisto em 2018, várias províncias — principalmente Henan e Xinjiang — implementaram políticas que proíbem os menores de 18 anos de frequentar serviços religiosos, participar em educação religiosa ou entrar em locais de culto.[5] A 8 de Abril de 2018, uma circular emitida na província de Henan, pela Associação Patriótica de Henan e pela Comissão de Assuntos da Igreja de Henan, proíbe explicitamente os menores de 18 anos de entrar em igrejas ou de participar em actividades religiosas, incluindo acampamentos e conferências.[6] Na prática, isto levou a uma fiscalização visível, como placas a proibir a entrada de menores na igreja e autoridades posicionadas nas portas para impedir a entrada de crianças, o que levanta preocupações sobre a erosão da liberdade religiosa e da transmissão intergeracional da fé. As igrejas são monitorizadas por associações religiosas sancionadas pelo Estado, e o clero é pressionado a cumprir estas restrições ou a enfrentar penalizações. Os líderes religiosos estão a responder a esta proibição migrando para o apostolado familiar.[7] Diversas fontes locais indicaram que a aplicação e a implementação da proibição variaram consideravelmente entre regiões e dentro das mesmas. De acordo com a Administração Estatal de Assuntos Religiosos (AEAR), seis faculdades religiosas funcionaram a nível nacional.[8]
O artigo 27.º da Lei de Segurança Nacional da China também se refere à liberdade de religião ou crença. Esta lei foi criticada pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos pelo seu "âmbito extraordinariamente amplo" e terminologia vaga, o que, segundo ele, deixa "a porta escancarada para novas restrições aos direitos e liberdades dos cidadãos chineses e para um controlo ainda mais rigoroso da sociedade civil".[9]
Outros regulamentos que podem ter impacto na liberdade religiosa ou de crença incluem o Documento 9, uma comunicação do Comité Central do Gabinete Geral do Partido Comunista, de Abril de 2013, e uma nova lei sobre organizações não governamentais estrangeiras, adoptada em 2016. O Documento 9, intitulado “Comunicado sobre o estado actual da esfera ideológica”, apresenta os valores ocidentais, a democracia constitucional ocidental e os meios de comunicação livres ao estilo ocidental como estando em conflito com os valores do PCC e alega que as petições e cartas a pedir protecção dos direitos humanos são obra de “forças ocidentais contra a China”.[10] A nova Lei das ONG Estrangeiras, que entrou em vigor em Janeiro de 2017, concede à polícia poderes sem precedentes para restringir o trabalho de grupos estrangeiros no país e limitar a capacidade dos grupos locais de receber financiamento estrangeiro e de trabalhar com organizações estrangeiras. As ONG estrangeiras devem ter uma organização governamental chinesa como patrocinadora e estar registadas no Ministério da Segurança Pública ou nos seus equivalentes a nível provincial antes de estabelecerem um escritório na China continental. A polícia tem novos poderes para convocar arbitrariamente representantes de organizações estrangeiras na China, apreender documentos, examinar contas bancárias e revogar o registo. Os estrangeiros ou organizações estrangeiras considerados envolvidos em actividades que visem "dividir o país, minar a reunificação nacional ou subverter o poder do Estado" podem ser detidos, impedidos de sair do país ou deportados.[11]
Em Abril de 2016, o Presidente chinês, Xi Jinping, discursou perante altos funcionários do Partido Comunista numa reunião sobre religião, afirmando que “os grupos religiosos… devem aderir à liderança do Partido Comunista da China”. Os membros do partido devem ser “ateus marxistas inflexíveis” que “se protegem resolutamente contra as infiltrações estrangeiras por meios religiosos”.[12] Este discurso aconteceu após um discurso do director da Administração Estatal de Assuntos Religiosos da China (AEAR), que em 2014 disse, num seminário sobre a sinicização do Cristianismo, que a teologia cristã chinesa deveria ser compatível com o caminho do socialismo no país.[13] O quadro legislativo do Governo está claramente estruturado para alcançar este objectivo.
Em Setembro de 2018, a Santa Sé chegou a um acordo preliminar com o Governo chinês sobre a nomeação de bispos, válido por dois anos. Sendo um acordo provisório e não um tratado formal, o texto permanece secreto, mas entende-se que confere ao Governo chinês o direito de recomendar candidatos à nomeação como bispos, que são depois confirmados ou rejeitados pelo Vaticano. A Santa Sé e o Governo chinês renovaram o acordo em Setembro de 2020 e, em Outubro de 2022,[14] e uma vez mais em Outubro de 2024, desta vez com um período de duração de quatro anos.[15] A 24 de Novembro de 2022, o Governo chinês violou o acordo ao nomear um bispo — que tinha sido nomeado e ordenado secretamente pelo Papa Francisco em 2014 — para uma diocese que a Santa Sé não reconheceu, sem consulta prévia ou aprovação do Vaticano.[16] Em comunicado de imprensa, a Santa Sé manifestou "surpresa e pesar" em relação à tomada de posse episcopal, que considerou inconsistente tanto com o espírito como com as disposições do Acordo Provisório sobre a Nomeação de Bispos entre a Santa Sé e a República Popular da China. O Vaticano observou ainda que o reconhecimento civil de D. Peng tinha sido precedido de "uma pressão prolongada e intensa por parte das Autoridades locais".[17] O Governo chinês violou o acordo pela segunda vez ao transferir um bispo para a Diocese de Xangai e instalá-lo como bispo local em Abril de 2023 sem a aprovação do Papa, embora o Papa Francisco tenha posteriormente aprovado a nomeação.[18]
A 1 de Maio de 2021 entraram em vigor as Medidas para a Gestão do Clero Religioso, emitidas pela AEAR a 9 de Fevereiro. As medidas fazem parte de uma série de novos regulamentos que complementam os Regulamentos sobre Assuntos Religiosos revistos de 2018. Estas medidas aumentam o controlo e a vigilância do Estado sobre o clero dos cinco grupos religiosos sancionados pelo Estado na China — a Associação Budista da China, a Associação Taoísta Chinesa, a Associação Islâmica da China, o Movimento Patriótico Protestante das Três Autonomias e a Associação Católica Patriótica Chinesa — e impõem penas para o clero que viole as políticas estatais. As medidas proíbem, uma vez mais, a actividade religiosa de clérigos religiosos independentes que não pertençam aos cinco grupos religiosos aprovados pelo Estado.[19] De acordo com estas medidas, os grupos religiosos devem também desenvolver um código de conduta do clero religioso, que deve incluir um mecanismo de recompensas e punições, e um sistema de avaliação do clero religioso.[20]
As Medidas para a Administração dos Serviços de Informação Religiosa na Internet entraram em vigor a 1 de Março de 2022.[21] Estas medidas proíbem a partilha de conteúdos religiosos online sem uma "licença especial" (ou seja, uma Licença de Serviço de Informação Religiosa na Internet), incluindo através de mensagens de texto, imagens, áudio e vídeo. Proíbem também conteúdos religiosos que "induzem os menores a acreditar na religião".[22] A entrada em vigor resultou na dissolução de grupos WeChat por fiéis religiosos e numa rigorosa autocensura. Implicou igualmente a proibição de transmissões em directo de eventos religiosos e a remoção de vídeos de eventos religiosos da internet.[23]
A 1 de Junho de 2022 entraram em vigor as novas Medidas de Gestão Financeira para os Locais de Actividades Religiosas. Estes regulamentos conferem efectivamente ao Departamento de Trabalho da Frente Unida e ao Ministério das Finanças o controlo das finanças de locais religiosos de grupos controlados pelo Estado e regulam as doações e as ofertas.[24]
Em Julho de 2023 foram emitidas Medidas para a Administração dos Locais de Actividades Religiosas, confirmando que os edifícios para actividades religiosas exigiriam uma avaliação e aprovação oficiais e declarando que não deveriam ser utilizados para actividades que “colocassem em risco a segurança nacional, perturbassem a ordem social [ou] prejudicassem os interesses nacionais”.[25]
A 24 de Outubro de 2023, o Congresso Nacional do Povo aprovou a Lei da Educação Patriótica, cujo artigo 22.º estipula que "o Estado encoraja e apoia os grupos religiosos, as faculdades religiosas e os locais de actividade religiosa a realizarem educação em patriotismo", para que "os sentimentos patrióticos do clero religioso e dos fiéis" sejam fortalecidos e as religiões sejam orientadas "a adaptarem-se à sociedade socialista". Esta lei fornece mais uma ferramenta para promover o patriotismo, que há muito está integrado em todas as áreas da sociedade, contribuindo para um tipo de nacionalismo cada vez mais intolerante à liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença e fortalecendo a campanha de sinicização.[26]
Em Fevereiro de 2024 entraram em vigor alterações ao Regulamento de Assuntos Religiosos da Região Autónoma Uigur de Xinjiang, que determinaram que todos os locais de culto, novos ou renovados, devem reflectir "características e estilo chineses". O regulamento estabelece especificamente que qualquer renovação de mesquita que altere a disposição ou as funções existentes deve ser aprovada pelas autoridades da Região Autónoma Uigur de Xinjiang.[27] Este requisito é aplicado uniformemente em toda a China. O artigo 50.º das Medidas Administrativas para Locais de Actividades Religiosas determina que todos os locais de actividades religiosas devem reflectir uma estética distintamente chinesa, incorporando elementos da cultura chinesa no seu projecto arquitetónico, escultura, pintura, decoração de interiores e outros aspectos visuais.[28]
Em Março de 2024, Hong Kong introduziu uma nova lei de segurança local, a Portaria de Salvaguarda da Segurança Nacional, que é um complemento à draconiana lei de segurança imposta a Hong Kong, por Pequim, em 2020. Embora esta nova lei de segurança, baseada no artigo 23.º da Lei Básica de Hong Kong, não seja especificamente dirigida a actividades religiosas, as suas implicações serão sentidas por todos na sociedade, incluindo os fiéis religiosos, e representa uma ameaça à liberdade de religião ou crença, como detalhado mais adiante neste relatório do país.[29]
Incidentes e episódios relevantes
Ao longo do período em análise, todas as minorias religiosas sofreram limitações. A Comissão Americana da Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) observou a deterioração das condições da liberdade religiosa na China como consequência da intensificação da implementação da política de "sinicização da religião" por parte do Governo. Tal como descrito pelo sociólogo Richard Madsen, a formulação actual de "sinicização a partir de cima" tem origem no presidente Xi Jinping. Em vários dos seus discursos oficiais, Xi delineou uma visão na qual todas as religiões — e, na verdade, todos os aspectos da cultura chinesa — devem contribuir para o desenvolvimento nacional da China, alinhar-se com os valores culturais tradicionais e integrar-se numa sociedade socialista com características chinesas. Na prática, este processo de "chinificação" exige uma estrita adesão às directrizes do Partido Comunista Chinês, subordinando efectivamente a expressão religiosa e cultural aos objectivos ideológicos definidos pelo Estado.[30]
De acordo com o Departamento de Estado Norte-Americano, “as autoridades continuaram a prender e a deter líderes e membros de grupos religiosos, sobretudo aqueles ligados a grupos não registados nas associações religiosas sancionadas pelo Estado. As autoridades terão utilizado acusações vagas ou infundadas, por vezes relacionadas com actividades religiosas, para condenar líderes e membros de grupos religiosos a anos de prisão”.[31] Além disso, implementaram vigilância de alta tecnologia no exterior dos locais de culto, bem como repressão e desinformação transnacionais, violência contra minorias religiosas e étnicas na diáspora (incluindo durante a visita do presidente Xi a São Francisco, em 2023),[32] e ameaças contra os seus familiares que vivem na China.[33]
Como afirmou o Council on Foreign Relations, “a China alberga uma das maiores populações de prisioneiros religiosos”.[34] A ONG de direitos humanos Fundação Dui Hua, cuja base de dados de presos políticos é uma das maiores recolhas de dados sobre prisioneiros de consciência na China, informou que, a 1 de Julho de 2025, as autoridades detiveram 2.538 indivíduos por “organizar/utilizar um culto para minar a implementação da lei”.[35]
O genocídio da população uigur predominantemente muçulmana, reconhecido pelo Tribunal Uigur independente presidido pelo advogado britânico Sir Geoffrey Nice KC em 2021,[36] e pelo Departamento de Estado Norte-Americano,[37] continua.
A campanha do PCC de sinicização e assimilação forçada em Xinjiang e no Tibete também continua.[38] Em Fevereiro de 2024 foram feitas alterações ao Regulamento de Assuntos Religiosos da Região Autónoma Uigur de Xinjiang, reforçando a política de sinicização e continuando a impor restrições severas. Em Março, Ma Xingrui, secretário do PCC em Xinjiang, insistiu na sinicização do Islão, considerando-a uma "tendência inevitável".[39]
Em Junho de 2024, a Human Rights Watch noticiou que o Governo chinês alterou os nomes de centenas de aldeias uigures em Xinjiang, no âmbito dos esforços para apagar a herança cultural e religiosa uigur. Cerca de 630 aldeias foram afectadas, com nomes que faziam referência à religião, história ou identidade local — como mazar (santuário) ou Hoja (mestre sufi) — substituídos por termos genéricos ou slogans partidários como "Felicidade", "Unidade" e "Harmonia", alinhados com a ideologia do Partido Comunista Chinês.[40]
Em Agosto de 2024, o Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas reconheceu a falta de progressos nos direitos humanos das minorias religiosas em Xinjiang, uma vez que os muçulmanos uigures continuaram a ser presos pelas suas actividades religiosas, incluindo contribuições para obras de caridade e instrução religiosa.[41] Em Julho, o Governo chinês classificou a avaliação do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos como "ilegal e nula".[42] Práticas religiosas básicas, como por exemplo jejuar durante o Ramadão, usar barba de um determinado comprimento ou, no caso das mulheres, usar o hijab, abster-se de carne de porco e álcool, ler o Corão ou rezar, podem resultar em prisão e encarceramento. Muitas mesquitas foram encerradas ou destruídas, e as que permanecem abertas estão sujeitas a severa vigilância e restrições.[43]
A perseguição à religião e à cultura no Tibete continua. Em Fevereiro de 2023, peritos das Nações Unidas chamaram a atenção para a assimilação forçada de quase um milhão de crianças tibetanas através da frequência obrigatória de internatos, onde “são forçadas a completar um currículo de ‘educação obrigatória’ em mandarim (putonghua) sem acesso a aprendizagem tradicional ou culturalmente relevante... Como consequência, as crianças tibetanas estão a perder a familiaridade com a sua língua autóctone e a capacidade de comunicar facilmente com os seus pais e avós na língua tibetana, o que contribui para a assimilação e erosão da sua identidade”. Os peritos manifestaram a sua preocupação com a situação: “Estamos alarmados com o que parece ser uma política de assimilação forçada da identidade tibetana pela maioria dominante chinesa han, através de uma série de medidas opressivas contra as instituições educativas, religiosas e linguísticas tibetanas”.[44] A polícia deteve e aprisionou budistas tibetanos por menções públicas e privadas ao Dalai Lama, e as autoridades indicaram que pretendem envolver-se no processo de sucessão do Dalai Lama e punir os tibetanos que se opuserem a este assunto.[45]
A perseguição aos praticantes do Falun Gong também continuou durante o período deste relatório. De acordo com a publicação Minghui, filiada do Falun Gong, pelo menos 164 praticantes do Falun Gong morreram na sequência de perseguição em 2024,[46] e 764 foram presos.[47] Fontes do Falun Gong documentaram 6.514 casos de assédio ou prisão, 1.190 penas de prisão e 209 mortes por causa de perseguição em 2023.[48] Em Março de 2023, a Ordem dos Advogados da cidade de Nova Iorque publicou um relatório que concluiu que existiam “amplas provas de que a China continua a envolver-se na extracção forçada de órgãos de prisioneiros de consciência”. O relatório revelou que, entre os 60 mil a 100 mil transplantes realizados entre 2000 e 2014, os praticantes do Falun Gong foram as principais vítimas.[49] Isto confirmou a conclusão da comissão independente da China sobre o assunto em 2019.[50]
A Igreja de Deus Todo-Poderoso também continuou a enfrentar perseguições, com a detenção de milhares de membros,[51] alguns dos quais teriam morrido em consequência de tortura e maus tratos.[52]
Ao longo do período abrangido por este relatório, comunidades cristãs específicas na China continuaram a enfrentar perseguições. Os cristãos protestantes das igrejas domésticas enfrentaram perseguição "intensificada", de acordo com a USCIRF, enquanto "o Governo continuava a sua repressão nacional das igrejas domésticas, detendo, prendendo e condenando protestantes independentes por acusações criminais e de segurança".[53]
Em Março de 2023, a China Aid noticiou que as autoridades prenderam funcionários da Igreja da Abundância em Xi’an, na província de Shaanxi, incluindo os Pastores Lian Changnian e Lian Xuliang, bem como o Pregador Fu Juan, e submeteram-nos a tortura. Dois outros cristãos, conhecidos como Irmão Wang e Irmão Jia, foram também torturados. Wang foi sujeito a tentativas de coacção para negar a sua fé e a trair os pastores. Um ano depois, a 25 de Março de 2024, a Igreja da Abundância de Xi'an emitiu uma carta de pedido de oração, revelando os últimos desenvolvimentos do caso que envolvia o Pastor Lian Changnian, o Pastor Lian Xuliang e o Pregador Fu Juan, que tinham sido acusados de "fraude" e poderiam enfrentar até cinco anos de prisão.[54]
As autoridades detiveram o Pastor Wang Chanchun, da Igreja Reformada Pedra Viva de Bengbu, na província de Anhui, em Abril de 2023, acusando-o inicialmente de "operações comerciais ilegais", tendo depois alterado as acusações para "fraude". A mulher do Pastor Wang e quatro funcionários da Igreja foram também acusados de fraude.[55]
Em Julho de 2023, as autoridades processaram três líderes — Li Jie, Han Xiaodong e Wang Qiang — da Igreja Casa da Aliança de Linfen, na província de Shanxi, no norte da China, acusando-os de formarem um grupo criminoso e de obterem "rendimentos ilegais". Segundo a Christian Solidarity Worldwide (CSW), Li e Han foram mantidos incomunicáveis e sujeitos a coacção e abuso, incluindo privação de sono, e os membros da Igreja foram pressionados a assinar declarações a confirmar que foram vítimas de fraude e prometendo que não frequentariam a Igreja no futuro.[56]
Em Agosto de 2023, os bispos e leigos católicos da China continental foram impedidos de viajar para a Mongólia para se juntarem ao Papa Francisco na sua visita ao país, embora os líderes católicos de Hong Kong tenham sido autorizados a viajar para Ulaanbaatar.[57]
Em Setembro de 2023, um sacerdote católico, o Padre Joseph Yang Xiaoming, foi condenado por acusações de “fazer-se passar por religioso” e obter dinheiro através de fraude, depois de se ter recusado a registar-se na Associação Patriótica Católica Chinesa, aprovada pelo Estado.[58] O tribunal impôs-lhe sanções administrativas, incluindo a ordem de cessar a prática sacerdotal.[59]
A 28 de Setembro de 2023, a polícia fez uma rusga à maior igreja doméstica de Pequim, conhecida como Igreja de Sião de Pequim, e prendeu 31 pessoas, duas das quais, Huang Duojia e Li Mingjie, permaneceram detidas durante mais de 100 horas.[60]
Em Dezembro de 2023, Ding Zhongfu, um ancião da igreja doméstica de Ganquan, na província de Anhui, foi detido por suspeita de fraude, juntamente com outros quatro membros seniores da Igreja.[61]
De acordo com a Ajuda à Igreja que Sofre, 20 membros do clero católico foram detidos na China em 2023.[62]
Em Janeiro de 2024, o Bispo clandestino de Wenzhou, D. Peter Shao Zhumin, foi preso.[63] O Bispo Shao foi detido várias vezes, incluindo em Janeiro de 2023,[64] e foi novamente detido em Março de 2025 por ter celebrado uma Missa para o Jubileu da Igreja em Dezembro de 2024.[65]
Em Janeiro de 2024, um Pastor protestante, Kan Xiaoyong, foi condenado a 14 anos de prisão por "utilizar uma organização de culto para minar a aplicação da lei" e por se envolver em "actividades comerciais ilegais".[66]
No entanto, algumas fontes relatam sinais de melhoria para os Cristãos na China, particularmente desde o Acordo Provisório de 2018 entre a Santa Sé e a República Popular da China. Em Novembro de 2024, ao regressar de Singapura, o Papa Francisco declarou que "os resultados são bons" e observou progressos tangíveis, especialmente no que diz respeito à nomeação de bispos, atribuindo estes desenvolvimentos à boa vontade contínua e ao diálogo pragmático. De acordo com a Fides, uma agência de notícias ligada ao Dicastério para a Evangelização do Vaticano, embora o acordo tenha enfrentado críticas de certos sectores, facilitou a normalização das nomeações episcopais, integrando bispos anteriormente ilícitos na plena comunhão com o Vaticano. O processo é visto como um potencial passo em direcção a melhorias mais amplas na governação e na liberdade religiosa para a comunidade católica da China.[67]
À medida que a repressão dos direitos civis e políticos em Hong Kong prossegue, aumentaram as preocupações durante o período deste relatório sobre as implicações para a liberdade religiosa no território. Em Novembro de 2023, a ONG Hong Kong Watch publicou o primeiro relatório detalhado sobre as ameaças existentes e potenciais à liberdade religiosa, intitulado Sell Out My Soul: The Impending Threats to Freedom of Religion or Belief in Hong Kong,[68] e em Janeiro de 2024 o Comité para a Liberdade em Hong Kong publicou um relatório semelhante intitulado Hostile Takeover: The CCP and Hong Kong’s Religious Communities.[69] Ambos os relatórios apresentam os sinais de alerta, principalmente a auto-censura dos líderes religiosos nos seus sermões, a vigilância dos locais de culto e as implicações para o sistema educativo, dado que 60% das escolas de Hong Kong financiadas pelo Governo são geridas por organizações religiosas.[70]
Em 2024, com a introdução em Hong Kong da nova lei de segurança local, conhecida como Artigo 23.º da Lei Básica de Hong Kong — ou Portaria de Salvaguarda da Segurança Nacional —, além da draconiana Lei de Segurança Nacional imposta por Pequim em 2020, surgiram preocupações sobre as potenciais ameaças à santidade e à confidencialidade do Sacramento da Reconciliação, ou "Confissão", na Igreja Católica. Depois de um funcionário do Governo se ter mostrado incapaz ou relutante em fornecer garantias de protecção, 16 peritos internacionais em liberdade religiosa emitiram uma declaração a expressar as suas preocupações. Entre os signatários, encontravam-se a presidente do Secretariado Internacional de Liberdade Religiosa, Nadine Maenza; a directora do Centro de Liberdade Religiosa do Instituto Hudson, Nina Shea; o presidente do Instituto de Liberdade Religiosa, David Trimble; o presidente do Fórum de Liberdade Religiosa ou Crença do Reino Unido, Mervyn Thomas; e George Weigel, membro sénior distinto e titular da cátedra, William E. Simon, em Estudos Católicos no Centro de Ética e Políticas Públicas, entre outros.
A declaração dizia: “Enquanto indivíduos e organizações dedicados aos valores dos direitos humanos, ao Estado de direito e, especialmente, à liberdade religiosa ou de crença, conforme estabelecido no artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, expressamos as nossas profundas e graves preocupações sobre as implicações para a prática da liberdade de religião ou crença em Hong Kong da nova lei de segurança interna proposta pelo Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, conhecida como legislação do ‘Artigo 23.º’, que foi publicada na semana passada. Estamos em especial profundamente alarmados com a sugestão… de que, ao abrigo da nova lei de segurança, o crime de ‘não revelar a prática de traição por terceiros’ significa que, se uma pessoa souber que outra pessoa cometeu ‘traição’, mas não revelar o conhecimento às autoridades num prazo razoável, essa pessoa é culpada de um crime punível até 14 anos de prisão. No cerne do Sacramento da Penitência está o princípio absolutamente vital da confidencialidade. … Para a Igreja Católica, o que é conhecido como o ‘Sigilo da Confissão’ é exactamente isso. Embora um sacerdote possa encorajar um penitente que cometeu um crime grave a confessar esse crime às autoridades, o sacerdote não pode denunciá-lo ele próprio e nunca deve ser responsabilizado criminalmente por ter ouvido essa confissão. Obrigar um sacerdote a revelar o que foi dito na Confissão, contra a sua vontade e consciência e em total violação da privacidade do indivíduo que confessa, é uma violação total do artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, como tal, é completamente inaceitável e deve ser condenado por pessoas de consciência de todas as religiões e por pessoas sem nenhuma religião em todo o mundo.”[71]
É significativo que o leigo católico mais proeminente de Hong Kong, o empresário e activista pró-democracia Jimmy Lai, tenha permanecido na prisão desde a sua detenção em Dezembro de 2024 e continue a ser julgado ao abrigo da Lei de Segurança Nacional. Foi também noticiado que lhe foi recusado o direito de receber o sacramento da Sagrada Comunhão desde o final de 2023.[72]
É também significativo que, desde a sua detenção e julgamento em 2022, o Bispo emérito de Hong Kong, Cardeal Joseph Zen, de 93 anos, tenha mantido um perfil muito mais discreto e evitado manifestar-se como antes sobre questões de democracia, direitos humanos e liberdade religiosa. Embora não esteja preso, consta que teve de entregar o seu passaporte às autoridades e só foi autorizado pelos tribunais de Hong Kong a viajar para Roma durante cinco dias para assistir ao funeral do Papa Bento XVI, em Janeiro de 2023, e para participar tanto no funeral do Papa Francisco como na Congregação Geral pré-conclave em Roma, em 2025.[73]
A campanha governamental de sinicização da religião foi aplicada a todas as religiões, incluindo Cristãos, Muçulmanos, Budistas e Taoístas, e intensificou-se no Tibete e em Xinjiang.[74] Esta política coerciva de sinicização, segundo a USCIRF, "transformou fundamentalmente o ambiente religioso da China". Foi concebida para conseguir "a subordinação completa dos grupos religiosos à agenda política e à visão marxista do PCC" e é aplicada através de regulamentos e de organizações religiosas controladas pelo Estado, erradicando à força os elementos religiosos considerados contraditórios com a agenda do PCC.[75] Trata-se de exigir que os locais de culto e os líderes religiosos exibam slogans do PCC, incorporem os valores socialistas fundamentais e a ideologia do PCC nos sermões, integrem a propaganda do PCC nos ensinamentos religiosos e alterem a arquitectura dos locais de culto de acordo com as instruções do PCC.[76]
Perspectivas para a liberdade religiosa
Sob a actual liderança de Xi Jinping e do PCC, as perspectivas para a liberdade religiosa na China são muito sombrias. A actual liderança parece determinada a restringir e controlar a liberdade religiosa e a perseguir aqueles que procuram praticar as suas crenças religiosas fora das organizações religiosas controladas pelo Estado ou independentemente do PCC. É muito provável que a repressão da liberdade religiosa, que se intensificou nos últimos anos, continue.
Fontes