ANÁLISE GLOBAL
Marta Petrosillo
A liberdade religiosa é um direito humano, consagrado no artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Se a liberdade religiosa for recusada a um, será potencial- mente recusada a todos. Este princípio está no cerne da nossa humanidade partilhada. E, no entanto, como este relatório revela, é mais frequentemente um luxo do que uma garantia.
O biénio 2023-2024 foi marcado pelo aprofundamento da turbulência global: conflitos geopolíticos, recuo au- toritário, aumento da desigualdade e a lenta erosão das normas democráticas. O início da guerra entre o Hamas e Israel, em Outubro de 2023, desencadeou uma nova onda de violência em todo o Médio Oriente, com repercussões significativas para a diplomacia internacional e para as dinâmicas de poder regional. Ao mesmo tempo, a guerra em curso na Ucrânia não deu sinais de resolução, agra- vando ainda mais as relações Leste-Oeste e exacerbando as crises energéticas e alimentares globais. Em África, uma sucessão de golpes militares, combinada com a retirada das forças internacionais de manutenção da paz de paí- ses como o Mali e a República Centro-Africana, facilitou a expansão da violência jihadista por todo o Sahel e mais além. Entretanto, as crescentes tensões no Indo-Pacífico, particularmente em torno de Taiwan e do Mar do Sul da China, sublinharam a crescente rivalidade estratégica en- tre os Estados Unidos e a China.
A liberdade religiosa não escapou a esta convulsão. Em todos os continentes, desde densos centros urbanos até paisagens rurais esquecidas, os indivíduos e as comunida- des continuam a enfrentar ameaças por praticarem, pro- fessarem ou mesmo simplesmente se identificarem com determinadas crenças.
Nesta edição de 2025 do Relatório da Liberdade Religio- sa no Mundo, investigamos as narrativas complexas e interligadas que definem as ameaças actuais à liber- dade de pensamento, de consciência e de religião. O relatório classifica os países em quatro categorias com base na gravidade das violações da liberdade religio- sa. A categoria “perseguição” refere-se a actos graves e repetidos de violência ou assédio, frequentemente praticados com impunidade. A categoria “discrimina- ção” envolve restrições legais ou sociais que visam in- justamente grupos religiosos específicos. Na categoria “sob observação” estão incluídos os países que apre- sentam os primeiros sinais de violações graves, o que exige uma monitorização rigorosa. Todos os restantes países são considerados como estando “em conformi- dade”, não apresentando violações significativas e, de um modo geral, respeitando as normas internacionais de liberdade religiosa ou de crença.
De acordo com o relatório de 2025, 62 países estão classi- ficados como vítimas de perseguição ou discriminação religiosa. Em conjunto, têm mais de 5,4 mil milhões de pessoas, representando 64,7% da população global. Isto significa que quase duas em cada três pessoas em todo mundo vivem em países onde a liberdade religiosa é gra- vemente restringida.
Perseguição
De acordo com o relatório, 24 países são classificados como vítimas de perseguição religiosa, incluindo países populosos como a Índia e a China, e Estados autoritários ou em conflito, como o Afeganistão, a Nigéria, a Coreia do Norte e a Eritreia. Juntos, estes países albergam cerca de 4,1 mil milhões de pessoas — mais de metade da po- pulação global — que vivem sob graves violações da liberdade religiosa.
A natureza da perseguição varia de acordo com o contex- to. Em oito países (Afeganistão, Bangladesh, Líbia, Mal- divas, Nigéria, Paquistão, Sudão e Iémen) a perseguição resulta de uma combinação de governação autoritária e extremismo religioso. Noutros sete países (China, Eritreia, Irão, Nicarágua, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Turquemenistão), a perseguição é motivada sobretudo pelo controlo Estatal autoritário. Outros sete países (Burquina Fasso, Camarões, Mali, Níger, Somália, Moçam- bique e República Democrática do Congo) são afectados sobretudo pelo extremismo religioso. Por fim, na Índia e em Mianmar, uma combinação de autoritarismo e na- cionalismo étnico-religioso sustenta as formas de perse- guição predominantes.
Discriminação
O relatório de 2025 identifica 38 países que sofrem discriminação religiosa. Entre eles encontram-se países como o Egipto, a Etiópia, o México, a Turquia e o Vietna- me, onde as minorias religiosas enfrentam restrições le- gais, políticas ou sociais que limitam a sua liberdade de crença e de culto. Juntos, estes países representam apro- ximadamente 1,3 mil milhões de pessoas, cerca de 17,3% da população global. Embora não enfrentem perseguição directa, muitos indivíduos sofrem discriminação sistemá- tica, como o acesso limitado a locais de culto, restrições à expressão religiosa ou tratamento legal desigual.
As causas da discriminação variam. Em 28 países, prevale- ce um único factor dominante. O autoritarismo é o mais frequente, afectando 24 países, entre os quais a Argélia, a Malásia, a Venezuela e a Turquia, onde o controlo estatal restringe o pluralismo religioso. No Chade, a discrimina- ção é motivada pelo extremismo religioso, enquanto no Haiti e no México está ligada ao crime organizado. O na- cionalismo étnico-religioso é o principal factor de discri- minação no Nepal.
Noutros 10 países, a discriminação resulta de uma com- binação de factores. No Egipto, na Jordânia, no Iraque, no Kuwait, em Omã, na Síria e na Tailândia, existe uma mistura de governação autoritária e extremismo religioso. Em Israel e nos Territórios da Palestina, o nacionalismo étnico-religioso e o extremismo interseccionam-se para minar a liberdade religiosa. No Sri Lanka, a discriminação decorre tanto do autoritarismo como do nacionalismo étnico-religioso.
Sob Observação
Vinte e quatro países são classificados como estando “sob observação” devido às ameaças emergentes à liberdade religiosa. Entre eles, o Chile, a Indonésia, o Quénia e a Bielorrússia, representam mais de 750 milhões de pessoas, aproximadamente 9,3% da população global. Embora não sofram actualmente perseguição ou discrimi- nação significativa, estes países demonstram os primeiros sinais de alerta, como o crescente autoritarismo, o enfra- quecimento das salvaguardas legais ou o aumento da in- tolerância religiosa. A sua inclusão destaca a necessidade de monitorização rigorosa e de acções preventivas. É de assinalar o México, a Rússia e a Ucrânia, anteriormente classificados como “sob observação” em 2023, passaram agora para a categoria Discriminação, destacando uma tendência de agravamento em relação às violações da liberdade religiosa.
Controlo autoritário e repressão legal
Um padrão regional marcante emerge na América Lati- na, onde muitos dos países actualmente classificados sob Discriminação ou Perseguição — incluindo Cuba, Haiti, México, Nicarágua e Venezuela —, bem como a Bolívia, o Chile, a Colômbia e as Honduras, todos colo- cados “sob observação”, partilham o alinhamento político ou ideológico com o Fórum de São Paulo. Esta coligação transnacional de partidos e movimentos de esquerda tem sido frequentemente associada a tendências autoritárias, restrições às liberdades civis e controlo ideológico sobre as instituições públicas. Nestes contextos, a liberdade re- ligiosa é frequentemente minada pela politização da re- ligião, pela pressão sobre as Igrejas que são vistas como críticas às acções governamentais e pelas restrições às organizações religiosas empenhadas na educação, no trabalho humanitário ou na advocacia social. A correla- ção sugere que a erosão das salvaguardas democráticas e o aumento da rigidez ideológica podem ser factores que contribuem para a deterioração da liberdade religiosa em toda a região (ver O modelo cubano e a sua exportação para a Venezuela e a Nicarágua).
Também noutras regiões, os governos continuam a usar a lei e a burocracia como armas para controlar ou supri- mir a expressão religiosa. Na Ásia, as campanhas de sini- cização intensificadas da China subjugam os muçulma- nos uigures e as congregações cristãs sob conformidade ideológica. Os novos regulamentos de 2024 determinam que todos os locais religiosos estejam explicitamente alinhados com os valores socialistas, enquanto as co- munidades tibetanas e muçulmanas enfrentam a re- nomeação de aldeias, detenções e destruição de locais de culto. Particularmente preocupantes são as leis que proíbem a educação religiosa para menores e restringem a participação destes em serviços religiosos (ver Chi- na: Restrições legais ao ensino religioso para menores). A Coreia do Norte mantém uma proibição absoluta da expressão religiosa. No Vietname e no Laos, as minorias cristãs, sobretudo entre os grupos indígenas, sofrem renúncias forçadas, destruição de igrejas e até assassi- natos de pastores, sem protecção legal. Tanto no Irão como no Turquemenistão, os grupos religiosos actuam sob constante vigilância estatal, enquanto as comunida- des não registadas enfrentam o risco persistente de de- tenção, assédio ou encerramento forçado.
Novas e diferentes faces do jihadismo
O extremismo religioso continua a ser um dos principais impulsionadores da perseguição em todo o mundo. Nos últimos anos, os movimentos jihadistas alargaram o seu alcance e diversificaram as suas estratégias, adaptan- do-se cada vez mais aos contextos e queixas locais. Em- bora África e o Médio Oriente continuem a servir como principais epicentros da actividade jihadista, também se observaram desenvolvimentos significativos na Ásia, particularmente após o regresso dos talibãs ao poder no Afeganistão. Os grupos jihadistas adaptam-se cada vez mais aos contextos locais, combinando a autonomia regional com diferentes níveis de coordenação central, como se verifica nas operações do autoproclamado Esta- do Islâmico (ver A evolução do jihadismo). Os grupos ex- ploraram igualmente as crises para fazer crescer a mobili- zação, nomeadamente no conflito Hamas-Israel de 2023. No início de 2025, o Instituto para o Estudo da Guerra alertou para o ressurgimento do autoproclamado Estado Islâmico na Síria, onde a mudança de prioridades de con- traterrorismo e os vazios de segurança estão a permitir o seu ressurgimento no cenário pós-Assad. Nos países oci- dentais, a ameaça decorre agora das redes descentraliza- das e dos actores solitários.
A liberdade religiosa como vítima da guerra
Em muitas regiões afectadas por conflitos armados, como o Sahel, a Síria, Mianmar ou a Ucrânia, as comunidades religiosas sofrem frequentemente violência direcciona- da. Os grupos terroristas, incluindo o Boko Haram, os seus filiados no autoproclamado Estado Islâmico e no Al-Shabaab, continuam a usar a religião como pretexto para a violência, particularmente contra cristãos e muçulma- nos que rejeitam a ideologia extremista. Nestas áreas, a liberdade religiosa não pode ser dissociada de violações mais amplas dos direitos humanos, de deslocações força- das e do colapso das instituições estatais.
As zonas de conflito revelam a fragilidade da liberdade re- ligiosa. No Sahel, os grupos jihadistas, filiados no autopro- clamado Estado Islâmico e na Al-Qaeda, intensificaram os ataques contra todos os grupos religiosos. No Burquina Fasso, no Mali, na Nigéria e no Níger, os ataques violen- tos desenraízam comunidades inteiras, provocando des- locações em massa e desmantelando o culto comunitário (ver Fugir à perseguição e discriminação por motivos reli- giosos e o caso de estudo Rollo, Burquina Fasso: A desloca- ção forçada de uma comunidade cristã). A Nigéria tem re- gistado um aumento acentuado da violência por motivos religiosos, especialmente no Norte e na região do Middle Belt. Grupos armados como o Boko Haram, o ISWAP e pas- tores fulani radicalizados têm como alvo igrejas, aldeias e líderes religiosos, levando a deslocações generalizadas, apreensões de terras e ataques a comunidades cristãs (ver Os Fulani e o jihadismo em África: Entre o legado e a mani- pulação). No Corno de África, a guerra no Sudão está a desencadear uma das maiores crises de deslocações da história. Os locais de culto são reutilizados para combate, os clérigos são detidos e são reportadas conversões for- çadas. Na Somália, a morte é imposta por apostasia, e a Etiópia vê locais religiosos destruídos no meio de conflitos étnicos, obrigando os líderes religiosos a esconderem-se.
Entretanto, o conflito entre Israel e o Hamas devastou as infra-estruturas religiosas de Gaza e aprofundou as fis- suras na sociedade israelita. Ambos os lados enfrentam acusações de crimes de guerra, enquanto o turismo reli- gioso, vital para as comunidades cristãs locais, entrou em colapso. As tensões entre judeus e muçulmanos estão a ser exacerbadas pela retórica nacionalista incendiária e pelo simbolismo religioso.
A guerra na Ucrânia agravou as violações da liberdade re- ligiosa de ambos os lados: a Rússia reprimiu grupos pró-
-ucranianos, a Ucrânia atacou igrejas ligadas a Moscovo e ambos puniram objectores de consciência. No Azerbaijão, a tomada de Nagorno-Karabakh em 2023 resultou numa limpeza étnica de 120.000 cristãos arménios e foi seguida pela destruição generalizada de património cristão.
Crime organizado: a fé sob a mira de uma arma
Em ambientes sem controlo estatal eficaz, os grupos cri- minosos regulam frequentemente a vida religiosa. Em vá- rias regiões instáveis da América Latina, são saqueadas igrejas, sequestrados líderes religiosos e agendados ou mediados cultos por cartéis de droga. No Estado falhado do Haiti, os sacerdotes e as religiosas são os principais alvos de raptos para resgate, enquanto as igrejas se tor- naram postos avançados de sobrevivência em territórios sem lei. No México, um número crescente de sacerdotes está a ser assassinado (ver Entre balas e bênçãos). No Equador e na Guatemala, os cultos simbioticamente li- gados aos gangues criminosos entrelaçam ainda mais a prática religiosa com a violência.
Da mesma forma, em partes da África Subsariana, incluin- do o Burquina Fasso, a Nigéria e a República Democrá- tica do Congo, os líderes religiosos e as comunidades reli- giosas sofreram violência mortal e continuam a enfrentar sérias ameaças por parte do crime organizado e de milí- cias não estatais.
Um país, uma fé?
A religião como marca de identidade nacional
Em vários países, actualmente, a religião é cada vez mais utilizada para definir a identidade nacional, alimentando a exclusão e a marginalização dos grupos minoritários. A Índia exemplifica um modelo de "perseguição híbrida", combinando a repressão jurídica liderada pelo Estado com a violência social. As políticas nacionalistas hindus do Bharatiya Janata Party (BJP) têm corroído constan- temente as protecções constitucionais. Só em 2024, os Cristãos sofreram 834 ataques, as ONG foram alvos da Lei de Regulamentação de Contribuições Estrangeiras, e as detenções ao abrigo de leis anticonversão aumentaram acentuadamente, o que restringe ainda mais a liberdade religiosa (ver Índia: Leis anticonversão).
A narrativa anticonversão emergente no Nepal também levou à perseguição de pastores e a detenções por evan- gelização. Em Mianmar, a repressão política, a identidade étnica e a filiação religiosa estão profundamente interli- gadas. A estrutura bamar-budista do Estado posiciona-se como defensora da unidade nacional, enquanto as mino- rias étnicas e religiosas são sujeitas a uma repressão siste- mática e frequentemente acusadas de separatismo. Esta dinâmica cria um ciclo de desconfiança, marginalização e violência que continua a fragmentar a sociedade birma- nesa (ver O triângulo de Mianmar: Grupos políticos, étnicos e religiosos).
Em vários países de maioria muçulmana, a liberdade reli- giosa continua fortemente restringida devido à interpre- tação e aplicação da lei islâmica. Onde a sharia é aplicada de forma a marginalizar as minorias religiosas, os direitos fundamentais são severamente restringidos. No Irão, cris- tãos foram presos por participarem em reuniões privadas em igrejas domésticas. No Paquistão, as acusações de blasfémia, frequentemente dirigidas a não muçulmanos, levaram à violência de multidões e a processos judiciais. No Afeganistão, a apostasia é ainda punível com a morte (ver Lei, poder e prática no mundo muçulmano. As múlti- plas faces da sharia).
Duplamente vulneráveis:
as mulheres das religiões minoritárias
Continuam a ser perpetradas violações graves contra mulheres de minorias religiosas, que enfrentam vulnera- bilidades agravadas devido tanto ao seu género como à sua fé. No Paquistão, os casos de rapto, conversão e ca- samento forçados envolvendo raparigas hindus e cristãs continuam a ser alarmantemente difundidos. Em Janeiro de 2023, os especialistas da ONU instaram o Governo pa- quistanês a tomar medidas, destacando o grave impacto destas práticas na liberdade religiosa e nos direitos das crianças. No entanto, estes abusos persistem. Em 2025, Ariha Gulzar, de 12 anos, e Laiba Suhail, de 10 anos, foram raptadas, convertidas e casadas, com documentos falsifi- cados e ameaças constantes contra as suas famílias. Só a pressão jurídica constante levou às detenções.
No Egipto, o número de desaparecimentos envolvendo raparigas cristãs menores de idade aumentou acentua- damente. As famílias relatam raptos, conversões e casa- mentos tradicionais. Mais de 30 casos semelhantes foram documentados em 2024, apontando para uma tendência profundamente preocupante e crescente.
Liberdades em conflito: a religião na era da conformidade ideológica
Em alguns países democráticos, as decisões judiciais e as políticas públicas têm colocado cada vez mais a liberdade religiosa em conflito com outros direitos fundamentais ou supostos direitos. Esta dinâmica é particularmente evidente nos contextos ocidentais e latino-americanos, onde as ideologias seculares entram com frequência em conflito com as normas religiosas tradicionais. O relatório de 2024 da Comissão Interamericana de Direitos Huma- nos (CIDH) foi criticado por retratar a liberdade religiosa como potencialmente conflituosa com os direitos anti-discriminação.
Mesmo em sociedades com fortes salvaguardas cons- titucionais, como as da região da OSCE, a objecção de consciência tem sofrido uma pressão crescente, es- pecialmente em relação ao serviço militar e ao aborto (ver A diminuição do direito à objecção de consciência). Os enquadramentos legais e as expectativas culturais predominantes estão progressivamente a dar prioridade aos direitos reais ou alegados em detrimento da liberda- de religiosa.
A hostilidade em relação à religião intensificou-se em vá- rias regiões: no Canadá, as igrejas católicas foram alvo de incêndios; em Espanha, na Grécia e na Croácia, os sím- bolos e procissões religiosas foram alvo de ataques ideo- lógicos; e na Bélgica, os líderes religiosos enfrentaram penalizações por se recusarem a ordenar mulheres. Após o conflito em Gaza, os incidentes de ódio contra judeus e muçulmanos aumentaram por toda a Europa, enquanto os ataques contra cristãos continuaram.
Nos estados ocidentais da OSCE, a hostilidade contra os Cristãos é frequentemente subnotificada devido à falta de documentação. Este fosso enfraquece as respostas políticas, normaliza a hostilidade, fomenta o tratamento desigual e aumenta a vulnerabilidade das comunidades cristãs (ver Perseguição educada: O pecado da omissão).
No entanto, ainda existem excepções assinaláveis. Os tribunais do Reino Unido e dos Estados Unidos têm de- fendido os direitos religiosos em casos importantes que envolvem a liberdade de expressão e a protecção laboral, demonstrando que os sistemas democráticos ainda po- dem oferecer salvaguardas significativas para a liberdade religiosa quando a independência judicial é mantida.
Para além do ecrã: perseguição digital e o futuro da liberdade religiosa
A esfera digital introduziu poderosas ferramentas de re- pressão. Em muitos países, o conteúdo religioso é censu- rado online, e os indivíduos podem ser presos pelas suas publicações nas redes sociais. Os regimes autoritários utilizam tecnologias de vigilância para monitorizar a ex- pressão religiosa, rotulando frequentemente as minorias como extremistas. Na China e na Rússia, a dissidência online é filtrada e punida, enquanto as plataformas reli- giosas são bloqueadas. Os grupos extremistas também exploram ferramentas digitais para incitar à violência e difundir propaganda. As redes sociais são utilizadas como armas para silenciar as minorias, difundir o discurso de ódio e alimentar a polarização. No Paquistão, as acusa- ções de blasfémia, muitas vezes infundadas, estão cada vez mais ligadas a publicações online. As redes organiza- das rastreiam a actividade digital e apelam à intervenção governamental ou incitam à violência em massa. Um relatório de 2023 do Ministério dos Assuntos Religiosos, utilizando dados da Agência Federal de Investigação do Paquistão, registou mais de 400 mil queixas, destacando como a vigilância digital facilita a repressão religiosa.
O potencial da inteligência artificial (IA) para ser utili- zada na manipulação e repressão de fiéis é vasto e pro- fundamente preocupante. Na Coreia do Norte, os rela- tos indicam que as autoridades aplicam um sistema de vigilância que faz uma captura de ecrã de cada telefone a cada cinco minutos, armazenando as imagens para mo- nitorização estatal. As imensas capacidades da IA devem ser geridas por uma supervisão humana significativa e por salvaguardas éticas, para que a sua implantação de- fenda a dignidade humana e contribua para a protecção da liberdade de pensamento, da consciência e da religião em todas as suas dimensões (ver Uma mudança de era: A liberdade religiosa na era da inteligência artificial).
Sementes de esperança: defender a liberdade religiosa
Apesar das crescentes ameaças, as comunidades religio- sas continuam a desempenhar um papel vital na promo- ção da paz, do diálogo e da dignidade humana. As orga- nizações religiosas lideram frequentemente respostas humanitárias, defendem os direitos humanos e apoiam as populações deslocadas. Nas regiões afectadas por con- flitos — no Médio Oriente, África, Ásia e América Latina
—, os líderes religiosos oferecem orientação moral e assis- tência concreta. Em Cabo Delgado, Moçambique, a Igreja tornou-se um pilar de apoio e diálogo inter-religioso no meio da violência jihadista (ver O papel activo da Igreja em Cabo Delgado). Em países como o Burquina Fasso, as iniciativas locais estão a fomentar o diálogo inter-religioso mesmo perante ameaças extremistas (ver Burquina Fasso: O jogo da paz).
A educação também desempenha um papel decisivo neste esforço, promovendo a coesão social, afirmando a dignidade e capacitando as minorias tanto cultural como socioeconomicamente (ver Educar para a liberdade: Ensi- nar a tolerância, dar poder às minorias).
Por fim, o Papa Francisco foi uma das vozes mais influen- tes a nível global na defesa do diálogo e da liberdade re- ligiosa (ver O Papa Francisco e a liberdade religiosa: Um direito à paz).
No entanto, para que estes sinais de esperança se tradu- zam em mudanças duradouras, é essencial um compro- misso colectivo e sustentado. A defesa e a promoção da liberdade religiosa não podem recair apenas sobre os om- bros dos líderes religiosos ou dos actores da sociedade civil, devem envolver governos, instituições, educadores e indivíduos. A liberdade religiosa é uma responsabilida- de partilhada. Todos devemos levantar a voz para exigir a protecção urgente da liberdade religiosa e de consciência em todo o mundo, tal como é garantido pelo artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A liberdade religiosa deve ser garantida a todos. A liber- dade religiosa é um direito humano, não um privilégio.