ÍNDIA
Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
A Constituição da República da Índia[1] garante a liberdade religiosa, e o país tem uma forma distinta de secularismo que foi concebida para tratar as tradições religiosas de forma igual. No entanto, desde que o primeiro-ministro Narendra Modi e o Partido Bharatiya Janata (BJP) chegaram ao poder em 2014, o secularismo indiano não tem protegido adequadamente a liberdade religiosa das comunidades minoritárias.
Com mais de 2.000 grupos étnicos, mais de três mil grupos de castas, pelo menos seis religiões e mais de 122 línguas faladas,[2] a Índia tem uma longa história de conflitos inter-religiosos. Estes conflitos remontam aos tempos pré-coloniais, quando as guerras entre o império muçulmano Mughal e os hindus Marathas eram tão religiosas como políticas.[3] Durante o movimento de independência do subcontinente e a divisão de 1947, que criou a Índia e o Paquistão como nações independentes, surgiram grupos nacionalistas hindus com forte influência política, social e cultural. Estes grupos são conhecidos colectivamente como Sangh Parivar (organização ou associação familiar), incluindo o Rashtriya Swayamsevak Sangh (Organização Nacional de Voluntários, RSS), e cresceram drasticamente desde a eleição de Narendra Modi. Os membros de várias organizações do Sangh Parivar ocupam actualmente cargos de topo no Governo, nas forças armadas e no meio académico.
A liberdade religiosa é garantida pelo artigo 25.º da Constituição, que afirma que “todas as pessoas têm o mesmo direito à liberdade de consciência e o direito de professar, praticar e propagar livremente a religião”. O artigo 27.º estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos destinados à promoção ou ao financiamento de uma determinada confissão religiosa, enquanto o artigo 26.º salvaguarda a liberdade de “todas as confissões religiosas” de “criar e manter instituições para fins religiosos e caritativos” e de “gerir os seus próprios assuntos em matéria de religião”. O artigo 30.º define o direito das minorias, incluindo as minorias religiosas, a estabelecer e administrar as suas instituições de ensino.
Apesar do estatuto secular oficial da Índia, vários governos federais e estatais promulgaram leis que restringem a liberdade religiosa de indivíduos, instituições e grupos. Em Dezembro de 2024, a Lei dos Locais de Culto de 1991 tornou-se proeminente porque os grupos de interesse hindus tinham apresentado inúmeras petições para inspeccionar os edifícios religiosos muçulmanos, a fim de verificar se tinham sido outrora locais de templos hindus. Para evitar litígios, a lei visava manter a identidade religiosa dos locais de culto tal como eram em 1947. Foi objecto de análise pelo Supremo Tribunal depois de a polícia do Uttar Pradesh ter matado cinco homens muçulmanos que protestavam contra uma vistoria autorizada pelo tribunal à mesquita Shahi Jama Masjid na cidade de Sambhal.[4] A 12 de Dezembro de 2024, o Supremo Tribunal proibiu os tribunais civis de intentar novas acções judiciais para contestar a propriedade e o título de propriedade de qualquer local de culto ou de ordenar a realização de vistorias nos locais em litígio.[5]
Em Novembro de 2024, o Ministério dos Assuntos Internos emitiu um aviso declarando que qualquer ONG cuja aceitação de financiamento estrangeiro afectasse a harmonia social ou religiosa seria “confrontada com o cancelamento da sua licença FCRA (Foreign Contribution Regulation Act)”. Este cancelamento impossibilita as ONG de receberem donativos estrangeiros e muitas foram obrigadas a cessar as suas actividades. Em 2024, existiam apenas 15.947 licenças FCRA activas, enquanto 35.488 licenças tinham sido canceladas ou tinham expirado e não tinham sido renovadas.[6]
Com frequência crescente desde 2014, as autoridades congelaram as contas bancárias de organizações, recorrendo à FCRA de 2010. Muitos observadores acreditam que o actual Governo utilizou a lei de forma selectiva para visar ONG filiadas em comunidades religiosas minoritárias, restringindo, por exemplo, o trabalho de organizações humanitárias e de desenvolvimento cristãs.[7] Em Janeiro de 2024, a licença FCRA da World Vision foi cancelada após ter sido suspensa durante três anos. Isto significa que a World Vision India já não está autorizada a receber financiamento internacional, o que terá um grande impacto nos seus esforços humanitários e de desenvolvimento.[8]
A regulamentação estatal das instituições religiosas, tanto maioritárias como minoritárias, tem afectado a liberdade religiosa. Desde a independência, um grande número de templos hindus tem sido regulamentado pelos governos estatal e central. O n.º 2 do artigo 25.º da Constituição estabelece que o Estado pode aprovar leis que regulamentem a actividade religiosa e garantam a abertura das instituições hindus a todas as classes de hindus.[9] Em Setembro de 2024, a Vishwa Hindu Parishad (VHP), uma grande organização nacionalista hindu, exigiu que o Partido Bharatiya Janata (BJP), no poder, “libertasse os templos hindus” do controlo governamental. A exigência foi feita depois de o ministro-chefe de Andhra Pradesh ter acusado o anterior Governo de ter permitido que um dos maiores templos da Índia utilizasse gorduras animais para preparar a comida do templo.[10]
Em 2024, o Tribunal Superior de Tamil Nadu decidiu que as instituições de ensino minoritárias, que incluem escolas e colégios cristãos e muçulmanos, devem estabelecer um processo de recrutamento aberto, no qual indivíduos de todas as religiões se possam candidatar a empregos, especialmente se o Governo apoiar a instituição. O tribunal tomou esta decisão em resposta à diocese católica de Tirunelveli, que estava a nomear pessoas com base na antiguidade diocesana. O tribunal declarou que exerceria os poderes de controlo judicial ao abrigo do artigo 226.º da Constituição se houvesse qualquer violação dos direitos dos candidatos elegíveis.[11] Também em 2024, os tribunais superiores apelaram à formação de um organismo estatal em Tamil Nadu para gerir as propriedades dos Cristãos e os processos de recrutamento.[12]
Numa nota mais positiva, em 2024, o Supremo Tribunal confirmou a Lei do Conselho de Educação das Madrassas do Uttar Pradesh de 2004 (que assegura que o ensino nas madrassas – escolas islâmicas – cumpre as normas educativas exigidas, respeitando simultaneamente a sua natureza religiosa), que o Tribunal Superior de Allahabad tinha reprovado. O Tribunal Superior tinha afirmado que as madrassas “obrigavam os alunos a estudar o Islão” e que algumas disciplinas modernas eram facultativas, decidindo que o Estado não podia “discriminar” ao proporcionar um ensino baseado na religião.[13] Mas o Supremo Tribunal decidiu que, de acordo com o artigo 30.º da Constituição, as instituições minoritárias tinham o direito de criar e administrar instituições para ministrar tanto o ensino religioso como o secular. Além disso, o artigo 28.º não proibia as instituições de ensino que tinham sido criadas por uma dotação ou um fundo fiduciário, mas que eram mantidas por fundos estatais, de ministrarem ensino religioso.[14]
Em 2024, o Parlamento aprovou a Lei de Alteração da Waqf, que diz respeito a propriedades doadas por muçulmanos. Esta lei permite que os não muçulmanos sejam nomeados para os conselhos de administração das waqf e que possam mesmo constituir uma maioria entre os 11 membros. Os Muçulmanos manifestaram a sua preocupação quanto ao facto de os membros do conselho de administração não muçulmanos poderem determinar o futuro das dotações das waqf. Foi manifestada uma preocupação semelhante relativamente à representação religiosa nos conselhos comunitários que regem os donativos hindus e siques.[15] Os opositores da lei argumentam que o acto viola a liberdade religiosa das instituições, tal como previsto no artigo 26.º.
Em Março de 2024, o Governo emitiu regras sobre a aplicação da Lei de Alteração da Cidadania de 2019, que foi concebida para ajudar as minorias que fogem à perseguição, mas que levou à exclusão discriminatória dos tâmiles do Sri Lanka, dos Butaneses e de grupos muçulmanos como os rohingyas, os azaras, os xiitas e os amadis. Embora excluindo estes grupos, a Lei de Alteração da Cidadania eliminou os obstáculos à aquisição da cidadania indiana para os hindus, siques, budistas, jainistas, parsis e cristãos que tinham chegado do Afeganistão, do Bangladesh e do Paquistão antes do final de 2014. No entanto, não eliminou os obstáculos aos membros destes grupos religiosos que vivem em zonas tribais como Mizoram. Os críticos desta lei vêem-na como uma “arma contra a população muçulmana minoritária na Índia”.[16] Além disso, de acordo com as novas regras da Lei de Alteração da Cidadania, o Governo pode cancelar o registo de Cidadania Ultramarina da Índia (OCI) de indivíduos que infrinjam a lei ou participem em protestos.[17]
A legislação anticonversão continuou a ser implementada, aumentando as restrições sociais à liberdade religiosa. Vários estados aprovaram leis sobre a liberdade religiosa (ou, como os seus críticos lhes chamam, "leis anticonversão"), concebidas para regular as conversões religiosas alegadamente efectuadas através de meios forçados ou fraudulentos.
Em Dezembro de 2024, o gabinete do estado do Rajastão, no noroeste do país, aprovou a Lei da Proibição da Conversão Ilegal da Religião.[18] A Assembleia Legislativa do estado aprovou a lei em Fevereiro de 2025,[19] tornando o Rajastão no décimo segundo estado indiano com uma lei anticonversão. Os outros estados são Arunachal Pradesh, Chhattisgarh, Gujarat, Haryana, Himachal Pradesh, Jharkhand, Karnataka, Madhya Pradesh, Odisha, Uttarakhand e Uttar Pradesh.[20]
A intenção prejudicial destas leis é evidente no facto de raramente ou nunca terem sido utilizadas para investigar ou processar hindus, mesmo em situações em que o Sangh Parivar foi criticado por angariar fundos para financiar a "reconversão" ao Hinduísmo.[21] As leis prejudicam as religiões minoritárias, como ficou patente em 2015, quando o Supremo Tribunal decidiu que uma pessoa que se "reconverte" do Cristianismo para o Hinduísmo tem direito a recuperar certos benefícios que perdeu aquando da conversão. Os indivíduos que se reconvertem têm direito a estes benefícios se os seus antepassados tiverem pertencido a uma casta registada e se a comunidade os aceitar de volta.
As leis anticonversão são muitas vezes aprovadas a mando de grupos nacionalistas hindus que receiam que o carácter hindu da Índia esteja a ser posto em causa devido ao crescimento de religiões concorrentes. Os Muçulmanos e os Cristãos são especialmente afectados, porque ambas as comunidades religiosas se dedicam à actividade missionária. As proibições dão oportunidade aos funcionários locais e às organizações supremacistas hindus de assediarem e intimidarem os membros das comunidades minoritárias.[22]
Em 2024, o Uttar Pradesh aprovou uma alteração à sua lei anticonversão, permitindo a qualquer pessoa registar um caso de acusação de conversão ilegal de pessoas ou grupos. Até então, apenas os familiares próximos de menores, mulheres ou indivíduos considerados “convertidos ilegalmente” podiam registar um caso. Os críticos receiam que esta nova disposição seja susceptível de ser utilizada de forma abusiva. A lei baseia-se numa anterior, aprovada em 2021, para combater a “jihad do amor”, uma teoria promovida por grupos Hindutva que procuram estabelecer o domínio cultural do Hinduísmo. A teoria propõe que os homens muçulmanos atraem as mulheres hindus para o casamento para as converter ao Islão.[23] De acordo com a lei alterada, qualquer pessoa que ameace, conspire ou prometa casamento para provocar a conversão pode ser condenada a prisão perpétua. A infracção foi também tornada inafiançável. Para se converterem para casar, os indivíduos devem apresentar ao magistrado uma declaração ajuramentada com, pelo menos, dois meses de antecedência. O Uttar Pradesh é o primeiro estado a instituir uma lei contra a conversão religiosa para efeitos de casamento.[24]
O Código Penal Indiano[25] inclui uma disposição relativa à blasfémia. A secção 295A penaliza a ofensa a sentimentos religiosos se tal for feito com intenção “deliberada e maliciosa”. A lei tem sido aplicada contra cristãos, tanto indianos como estrangeiros, que alegadamente criticaram o Hinduísmo no decurso da evangelização.[26]
Em Dezembro de 2023, o Parlamento aprovou a Lei das Telecomunicações, aumentando os poderes do Governo para ordenar o encerramento da internet. A Índia desliga a internet muito mais do que qualquer outro país democrático.[27] Em Abril do mesmo ano foram introduzidas regras em matéria de tecnologias da informação que os críticos receiam que enfraqueçam a encriptação, restrinjam a liberdade de expressão online e ameacem a democracia e a liberdade individual.[28]
Em Fevereiro de 2024, o estado de Uttarakhand promulgou o Código Civil Uniforme, uma medida destinada a uniformizar as disposições legais relativas ao casamento, divórcio, adopção e herança em todas as comunidades, independentemente da filiação religiosa. A lei introduziu igualmente a obrigação de os casais registarem as relações de coabitação no prazo de um mês, sob pena de serem sujeitos a uma pena de prisão até três meses. Apesar de ser considerado um passo em direcção à igualdade jurídica e à uniformidade social, o Código Civil Uniforme tem sido alvo de críticas por parte dos líderes muçulmanos, que argumentam que prejudica o pluralismo religioso ao proibir práticas permitidas pela lei islâmica, como a poligamia e o divórcio. Os críticos manifestam a sua preocupação com a erosão da diversidade cultural e religiosa protegida pela Constituição.[29]
Em Dezembro de 2024, o Parlamento aprovou três leis penais para substituir o Código de Processo Penal e a Lei de Provas da Índia, herdados dos Britânicos aquando da independência em 1947. Os advogados e activistas que se opõem a estas leis receiam que as alterações, como o aumento da duração da prisão preventiva de 15 para 60 dias e, em casos especiais, para 90 dias, possam conduzir a abusos.[30] Uma outra alteração que poderá ser utilizada para anular a dissidência e aumentar a repressão estatal é a admissão de registos electrónicos, como mensagens de texto e publicações no Facebook, como prova. Entretanto, a Lei Bharatiya Nyaya Sanhita (BNS), que substituiu a antiga Lei da Sedição, acrescentou uma disposição que criminaliza "actos que ponham em perigo a soberania, a unidade e a integridade da Índia".[31] Os críticos receiam que o âmbito alargado desta nova disposição possa ser utilizado para reprimir as críticas ao Governo e violar os direitos das pessoas que pretendem exercer o direito de protesto.
Incidentes e episódios relevantes
Durante o período em análise, a violência contra as minorias religiosas continuou em várias partes da Índia. A mais comum e destrutiva destas violências foi a violência relacionada com multidões. Em 2023, foram registados 32 motins e 21 incidentes de assassinatos em grupo. Onze dos 32 motins tiveram lugar em Maharashtra. Os motins ceifaram 15 vidas (quatro hindus e cinco muçulmanos) e a violência de multidões ceifou 16 vidas (todas muçulmanas).[32] O factor mais comum que desencadeou a violência popular foram as alegações de abate de vacas. Em 2023 foram registados 33 incidentes de discurso de ódio, mas este número não abrangeu o discurso de ódio proferido em certos meios de comunicação social vernáculos. Em 2024 registou-se um aumento de 84% nos motins, com 59 incidentes registados. A maioria dos motins ocorreu durante festivais religiosos ou procissões.[33] Em Março de 2023, uma procissão em Gujarat, liderada pela organização nacionalista Vishwa Hindu Parishad (VHP), alterou o seu percurso regular, passando por uma mesquita e um santuário muçulmano. Os manifestantes vandalizaram o santuário enquanto várias procissões de hindus marchavam pela secção muçulmana da cidade. Eclodiram tumultos e muitas pessoas, na sua maioria muçulmanos, foram detidas.[34]
Enquanto o país se preparava para as eleições gerais de Abril e Maio de 2024, registou-se um aumento dos motins e da violência contra muçulmanos e cristãos. O primeiro-ministro Narendra Modi utilizou uma retórica antimuçulmana durante a campanha eleitoral, empregando palavras como “infiltrados”.[35] Modi afirmou que os partidos da oposição planeavam retirar fundos aos dalits, adivasis e outros grupos para os dar aos Muçulmanos. A Comissão Eleitoral da Índia pediu à rede social X que retirasse um vídeo antimuçulmano que o BJP tinha criado e que estava a exacerbar as tensões.[36]
Na sequência da tão esperada consagração do Templo Ram em Ayodhya, em Janeiro de 2024, registou-se um aumento dos ataques contra as minorias religiosas.[37] No estado de Maharashtra, a violência eclodiu na Mira Road, no extremo norte de Bombaim, depois de uma procissão hindu ter sido alegadamente atacada, o que levou ao incêndio de empresas propriedade de muçulmanos e à detenção e agressão de jovens muçulmanos. Menos de 48 horas após os actos de violência, as autoridades locais procederam à demolição de edifícios propriedade de muçulmanos que designaram por "estruturas ilegais",[38] um exemplo da crescente “justiça dos buldózeres” a que as autoridades estatais têm recorrido para demolir propriedades pertencentes a muçulmanos. Em Fevereiro de 2024, a Autoridade de Desenvolvimento de Deli demoliu a Mesquita Akhoondiji, com 600 anos, alegando que era proprietária do terreno onde o edifício tinha sido construído.[39]
No período em análise registaram-se inúmeros ataques de hindus a muçulmanos no âmbito da violência relacionada com a suspeita de contrabando e abate de vacas e consumo de carne de vaca. Um dos incidentes mais chocantes ocorreu em Agosto de 2024, quando um homem de 72 anos foi atacado num comboio em Mumbai por suspeita de transportar carne de vaca.[40] Um mês mais tarde, em Haryana, um grupo de “justiceiros das vacas” perseguiu e matou a tiro um jovem hindu, depois de o ter confundido com um contrabandista de vacas muçulmano.
No primeiro semestre de 2023 registaram-se actos de violência contra cristãos em 23 estados.[41] Os Cristãos são atacados principalmente devido a alegações de conversões forçadas. O Cristianismo tem crescido entre muitos grupos diferentes, mas especialmente entre as comunidades tribais rurais. Alarmados com o número crescente de convertidos ao Cristianismo, os extremistas hindus iniciaram campanhas para “reconverter” os cristãos destas comunidades e começaram a atacar os locais de culto cristãos, muitas vezes com o apoio tácito das autoridades locais. Os críticos alegam que a polícia desvaloriza os ataques ou ignora-os. De acordo com o United Christian Forum, os ataques a cristãos aumentaram de 127 em 2014 para 834 em 2024. O Uttar Pradesh, o estado mais populoso, registou o maior número de incidentes, 209, seguindo-se Chhattisgarh com 165 casos.[42]
Embora haja demasiados ataques contra cristãos para enumerar individualmente, os casos representativos incluem os que se seguem.
Em Janeiro de 2023, um casal de Kerala foi acusado e mais tarde preso durante cinco anos por alegadamente ter induzido dalits hindus a converterem-se ao Cristianismo em Uttar Pradesh. Nenhum dalit se tinha queixado do casal, pelo contrário, disseram que os encorajavam a estudar e a manterem-se afastados do álcool.[43]
Em Maio de 2023 eclodiu violência religiosa entre a tribo Meitei, predominantemente hindu, e as tribos cristãs Kuki-Zo e Naga, depois de os Meitei terem pedido o estatuto de “scheduled”, que lhes daria direito às terras das tribos cristãs. Centenas de pessoas foram mortas, e igrejas e casas foram queimadas. Aldeias inteiras foram arrasadas.[44] Um conjunto de 550 grupos da sociedade civil[45] alegam que o ministro-chefe de Manipur protegeu a comunidade Meitei, de maioria hindu, e acusou as tribos Kuki, de maioria cristã, de se dedicarem ao tráfico de droga e de acolherem refugiados de Mianmar.[46] Ao contrário do governo do estado de Mizoram, que acolheu refugiados de Mianmar, o governo do estado de Manipur alinhou com a posição do Governo central e prendeu-os e repatriou-os. O Arcebispo de Bangalore, Peter Machado, afirmou que a violência contínua em Manipur demonstra "o perigo enfrentado pelas pessoas que estão a ser alvo de perseguição devido às suas crenças e práticas religiosas".[47]
Em Maio de 2023, duas mulheres cristãs de Manipur, Glory e Mercy, foram despidas e obrigadas a desfilar pelas ruas. Uma foi violada e a outra agredida. O pai e o irmão das vítimas morreram ao tentar protegê-las.[48] [49] As duas mulheres e o irmão tinham-se refugiado num veículo da polícia, com pelo menos cinco polícias presentes, mas estes fugiram quando uma multidão se aproximou e arrastou os jovens para fora do veículo.[50]
O Padre Babu Francis, director do serviço social na Diocese de Allahabad, em Uttar Pradesh, foi detido durante três meses e libertado em Dezembro de 2023, depois de ter sido acusado de violar as leis estatais anticonversão.[51]
Em Fevereiro de 2024, também em Uttar Pradesh, o Padre Dominic Pinto e nove leigos protestantes foram presos por organizarem um encontro de pastores evangélicos num centro católico.[52]
Em Setembro de 2024, um pastor pentecostal em Maharashtra foi espancado por uma multidão depois de ter realizado uma cerimónia de inauguração de uma casa. A casa era vizinha de um templo hindu, e 20 homens observaram os cristãos reunidos na casa, seguiram o pastor quando este se afastava e atacaram-no.[53]
Em Novembro de 2024, um pastor baptista, Pranjal Bhuyan, foi detido em Assam por violar a Lei da Cura Mágica de Assam, recentemente promulgada, depois de ter rezado por pessoas de tribos numa aldeia. O Arcebispo Moolachira de Assam afirmou que chamar à oração “cura mágica” era enganador e que a cura “não era sinónimo de proselitismo”.[54]
No dia de Natal de 2024, uma multidão da organização de direita Vishwa Hindu Parishad (VHP) perturbou um serviço religioso em Mahuva, gritando “Jai Shri Ram” e dizendo que a Igreja precisava de autorização para realizar o seu serviço religioso. No dia seguinte, em Odisha, duas mulheres de tribos foram espancadas devido a uma alegação de que tinham convertido à força um indivíduo da sua aldeia. Na mesma altura, em Uttar Pradesh, membros da VHP tingiram um homem cristão dalit, puseram-lhe pigmento vermelhão na cabeça e fizeram-no desfilar pela aldeia.[55]
O vandalismo de instituições e igrejas cristãs continuou durante o período em análise. Em Agosto de 2023, em Deli, uma multidão pertencente a uma organização hindu saqueou a sala de oração de Zion e vandalizou as instalações, gritando palavras de ordem.[56] No início do ano, em Janeiro, 18 cruzes e lápides no cemitério de uma das mais antigas igrejas católicas de Bombaim, St. Michael's, foram vandalizadas.[57] Em Fevereiro de 2024, em Telangana, uma multidão que gritava “Jai Shri Ram” atacou uma igreja, destruindo o crucifixo, as cadeiras e o telhado, ferindo 20 cristãos dalit.[58] Em Abril, a Escola Madre Teresa, no estado meridional de Telangana, foi vandalizada depois de os professores se terem recusado a deixar entrar na sala de aula os alunos que vestiam roupas de cor açafrão em vez dos seus uniformes. Os pais registaram um processo contra a escola ao abrigo das secções 153 (A) (promoção da inimizade entre diferentes grupos religiosos) e 295 (A) (insulto a sentimentos religiosos) do Código Penal.[59]
Perspectivas para a liberdade religiosa
A democracia da Índia é a mais vibrante dos países vizinhos do Sul da Ásia, muito mais forte do que a do Paquistão, do Bangladesh, do Sri Lanka e, certamente, de Mianmar. A Índia encontra-se na linha da frente, e num tenso impasse fronteiriço, da mais perigosa potência autoritária do mundo, a China. No entanto, o nível crescente de restrições impostas aos Cristãos e a outras minorias religiosas não hindus, acompanhado de violência por motivos religiosos, impunidade, intimidação e restrições crescentes à liberdade dos indivíduos de praticarem a religião da sua escolha, é profundamente desconcertante. A Índia é um exemplo de "perseguição híbrida", em que tanto as medidas pseudo-legais como os ataques sangrentos são perpetrados contra os que professam a religião "errada". Há uma variação regional significativa, com estados como Uttar Pradesh, Chhattisgarh e Maharashtra, no Norte, e Karnataka, no Sul, a exibirem as maiores restrições sociais e violência não estatal. Apesar de o partido do primeiro-ministro Narendra Modi ter obtido uma maioria reduzida nas recentes eleições gerais, as restrições governamentais, incluindo novas e mais rigorosas leis anticonversão e a continuação da utilização abusiva das licenças FCRA para limitar o funcionamento das ONG religiosas, colocam sérios desafios. Assim, as perspectivas de liberdade religiosa na Índia continuam a ser negativas.
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