MÉXICO
Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
No México, a liberdade religiosa é garantida constitucionalmente[1] e a sua implementação é regulamentada pela Lei das Associações Religiosas e do Culto Público (LARCP).[2]
O artigo 24.º da Constituição Mexicana[3] contém elementos do artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nele se afirma: “Cada pessoa tem direito a ter liberdade de convicções, consciência e religião, e a ter ou adoptar, conforme o caso, a religião que prefira. Essa liberdade inclui o direito a participar, individual ou colectivamente, em cerimónias públicas ou privadas, actos de culto ou religiosos do respectivo culto, desde que eles não sejam crime ou delito punidos por lei.”[4] O artigo 1.º da LARCP esclarece que nas crenças religiosas ninguém está "isento, em caso algum, do cumprimento das leis do país".[5]
O artigo 1.º da Constituição reitera estas liberdades, estabelecendo que todas as autoridades governamentais têm a obrigação de promover, respeitar, proteger e garantir os direitos humanos.[6] Ao mesmo tempo, o artigo 24.º acrescenta que "o Congresso não pode ditar leis que estabelecem ou abolem uma determinada religião".[7]
O artigo 1.º também proíbe a discriminação por razões de origem étnica ou nacional, sexo, idade, deficiência, condição social, saúde, religião, opiniões, preferências sexuais, estado civil ou qualquer outro factor que possa atentar contra a dignidade humana.[8]
A Lei Federal para Prevenir e Eliminar a Discriminação define como discriminatória qualquer tentativa de limitar a livre expressão de ideias, bem como qualquer acção destinada a colocar obstáculos à liberdade de pensamento, de consciência ou de religião e às práticas ou costumes religiosos, desde que estes últimos não violem a ordem pública.[9] Em Maio de 2022, uma alteração definiu o que se entende por discriminação.[10]
Por sua vez, a LARCP regula vários aspectos da vida das associações religiosas, como a sua natureza, constituição e funcionamento (artigos 6.º a 10.º), as relações com os associados, ministros religiosos e representantes (artigos 11.º a 15.º), o regime de bens (artigos 16.º a 20.º), os actos religiosos de culto público (artigos 21.º a 24.º) e as relações das autoridades com as associações religiosas e a sua actividade (artigos 25.º a 28.º), para além das infracções à Lei e respectivas sanções (artigos 29.º a 36.º).[11]
O artigo 130.º da Constituição estabelece a separação entre o Estado e a Igreja, que é reiterada nos artigos 1.º e 3.º da LARCP.[12] Este princípio de separação também se estende ao ensino público, que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Constituição, deve "ser mantido inteiramente independente de qualquer doutrina religiosa".[13]
Para evitar a interferência do Estado, as autoridades estão constitucionalmente proibidas de intervir nos assuntos internos das associações religiosas (artigo 130.º, alínea b, bem como em eventos religiosos individuais ou colectivos, excepto quando necessário para garantir o cumprimento "da Constituição, dos Tratados Internacionais ratificados pelo México e de outra legislação aplicável e a protecção dos direitos de terceiros" (artigo 3.º, LARCP).[14]
Da mesma forma, os funcionários federais, estaduais e municipais "não podem assistir oficialmente a qualquer acto religioso de culto público, ou actividade que tenha motivos ou fins semelhantes", excepto no caso de práticas diplomáticas (artigo 25.º, LARCP).[15]
No que respeita à independência do Estado em relação às religiões, o artigo 24.º da Constituição estabelece que: "Ninguém pode utilizar estes actos públicos de expressão religiosa para fins políticos, de campanha ou como instrumento de propaganda política."[16] O artigo 130.º (alíneas c e d) da Constituição proíbe os membros do clero de exercerem cargos electivos.[17]
Esta proibição geral é coerente com os artigos 55.º (VI) e 58.º da Constituição, que excluem os membros do clero de se tornarem deputados federais ou senadores.[18] O artigo 82.º (IV) proíbe que o presidente do México seja um ministro da religião.[19]
A proibição é reiterada pela LARCP, segundo a qual os membros do clero não podem exercer cargos públicos, embora "tenham direito de voto nos termos da legislação eleitoral aplicável" (artigo 14.º).[20]
Tal como a Constituição (artigo 130.º, alínea e, a LARCP (artigo 29.º, X) inclui mais proibições constitucionais que afectam a separação entre a Igreja e o Estado, nomeadamente a proibição de os membros do clero se associarem entre si para fins políticos, fazerem propaganda a favor ou contra qualquer candidato, partido ou associação política, ou oporem-se "às leis do país ou às suas instituições em reuniões públicas".[21]
Da mesma forma, as associações religiosas e os membros do clero não podem possuir ou administrar concessões de telecomunicações, excepto para publicações impressas de natureza religiosa (artigo 16.º da LARCP).[22]
Além disso, a alínea a do artigo 130.º da Constituição especifica que apenas as igrejas e os grupos religiosos registados têm personalidade jurídica.[23] O artigo 7.º da LARCP estabelece as condições e os requisitos que devem ser cumpridos para este efeito. Estes requisitos (ver artigo 7.º da LARCP) são os seguintes: "Quem requerer o registo de uma associação religiosa deve provar que a igreja ou grupo religioso 1. exerce, a título principal, a observância, a prática, a propagação e o ensino de uma doutrina religiosa ou de um conjunto de crenças religiosas; 2. exerceu actividades religiosas na República Mexicana durante um período mínimo de cinco anos e tem raízes bem conhecidas na população, para além de ter o seu domicílio na República; 3. dispõe de bens suficientes para cumprir o seu objectivo; 4. dispõe de estatutos nos termos do segundo parágrafo do artigo 6.º; 5. cumpriu, se for caso disso, o disposto nos incisos I e II do artigo 27.º”.[24]
Uma vez constituídas, as associações religiosas têm direito a um nome exclusivo, a estabelecer as suas estruturas internas de governação e funcionamento, a celebrar actos de culto público e a difundir a sua doutrina, bem como a estabelecer e a gerir instalações de assistência social, educação e saúde, desde que não tenham fins lucrativos (artigo 9.º da LARCP).[25]
O artigo 27.º (II) da Constituição também reconhece a capacidade das associações religiosas validamente constituídas de adquirir, possuir ou administrar bens.[26] No entanto, assim como a Constituição (artigo 130.º), a LARCP (artigo 15.º) recusa aos membros do clero o direito de herdar por testamento de pessoas que eles "tenham orientado ou assistido espiritualmente e que não sejam parentes de quarto grau".[27]
De um modo geral, os actos de culto público devem ser realizados em locais de culto, ou noutros locais em circunstâncias especiais (artigo 24.º da Constituição e artigo 21.º da LARCP), mediante comunicação prévia às autoridades competentes com uma antecedência mínima de 15 dias em relação à data da sua realização.[28] Estas últimas só podem proibi-los "por razões de segurança e protecção da saúde, da moral, do ruído e da ordem pública, ou para proteger os direitos de terceiros" (artigo 22.º da LARCP).[29]
Deve ser feita uma menção especial à liberdade de consciência, que é abrangida pelo artigo 24.º da Constituição, na medida em que se aplica aos cuidados de saúde. O artigo 10.º[30] da Lei Geral da Saúde[31] concede ao pessoal médico e de enfermagem empregado no Serviço Nacional de Saúde o direito à objecção de consciência, acrescentando que esta não pode ser motivo de discriminação no local de trabalho.
No entanto, em Setembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça[32] anulou o artigo 10.º (Bis), por não estabelecer os limites necessários para garantir que a objecção de consciência possa ser exercida sem pôr em causa os direitos humanos de outros, especialmente o direito à saúde. Assim sendo, o Tribunal instou o Congresso a regulamentar a objecção de consciência.[33]
Incidentes e episódios relevantes
Os episódios de violência contra sacerdotes, religiosos e instituições da Igreja Católica no México são monitorizados pelo Centro Católico Multimédia (CCM), que compila dados desde 1990 e publica relatórios anuais desde 2018. Os relatórios de 2023 e 2024 referem o assassinato de três sacerdotes, bem como cinco casos de agressão agravada. Apontam para o facto de, durante o mandato de seis anos do presidente Andrés Manuel López Obrador, terem sido assassinados 10 sacerdotes,[34] outros 10 terem sido vítimas de violência e de terem ocorrido cerca de 900 episódios de extorsão envolvendo membros da Igreja Católica.[35]
Em 2023, o Padre Javier García, da paróquia de Capacho, em Michoacán, foi morto a tiro,[36] enquanto o Padre José Angulo Fonseca foi assassinado em Jalisco, alegadamente pelo seu próprio irmão.[37] Em Fevereiro de 2023, pouco depois de celebrar uma Missa em Chiapas, o Padre Marcelo Pérez foi baleado no seu carro. O Padre Marcelo era um indígena Tzotzil e conhecido pelo seu activismo em defesa dos povos indígenas.[38] Em Outubro de 2024, as autoridades anunciaram a detenção do alegado assassino.[39] Em Janeiro de 2023, o pastor da Igreja de Monte Sião, em Chiapas, foi assassinado depois de se ter declarado vítima de extorsão.[40]
A violência também afectou os leigos. Em Junho de 2023, duas catequistas foram assassinadas quando iam a caminho de uma procissão eucarística.[41] Em Novembro de 2024, um acólito e o seu irmão, que ajudavam a mãe a limpar a igreja, foram mortos num tiroteio perto da Igreja paroquial de Nossa Senhora de Guadalupe, em Veracruz.[42] Em Janeiro de 2025, um peregrino que se dirigia a San Juan de los Lagos foi morto a tiro durante a noite, enquanto acampava.[43] A Conferência Episcopal Mexicana pediu às autoridades que investigassem e garantissem segurança.[44] Em Março de 2025, sete membros de um grupo de jovens de Guanajuato foram assassinados por um grupo armado. As autoridades encontraram mais de 50 cartuchos e buracos nas paredes da igreja.[45]
O Padre Omar Sotelo, director do CCM, explicou que o crime organizado introduziu uma cultura de corrupção e de morte, que por sua vez conduz à desagregação social, e está a alimentar uma cultura de droga e de violência relacionada com a droga.[46]
Noutros incidentes de violência ocorridos durante o período em análise, um homem tentou esfaquear o Arcebispo de Durango, Faustino Armendáriz, na sacristia da catedral após uma Missa.[47] Em resposta, foi organizada uma campanha de cidadãos exigindo que as autoridades reforçassem a legislação para defender a liberdade religiosa.[48] O Padre José Filiberto Velásquez, que tinha denunciado os conflitos entre grupos criminosos, foi atacado quando se encontrava no seu carro, que foi atingido por pelo menos duas balas.[49] Um grupo armado assaltou vários carros que estavam parados numa autoestrada, devido ao nevoeiro, incluindo um que transportava o Bispo de Orizaba, D. Eduardo Cervantes Merino, e os sacerdotes que o acompanhavam, aos quais foram roubados os seus pertences, incluindo o anel do bispo.[50] O Bispo Gonzalo Alonso Calzada Guerrero foi assaltado, amarrado e deixado numa encosta;[51] agressores armados assaltaram uma casa pertencente aos Legionários de Cristo, onde vivia o Bispo Pedro Pablo Elizondo, de Cancún, com alguns dos seus sacerdotes;[52] e o Padre Abraham Hernàndez, da paróquia de Cristo Salvador, na capital, foi ameaçado de morte por não ter pago o dinheiro da protecção.[53] O actual clima de impunidade favorece os repetidos actos de intimidação por parte das organizações criminosas contra os membros do clero que resistem às suas reivindicações.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apelou ao Governo para que forneça segurança eficaz a onze membros da comunidade jesuíta de Cerocahui, em Chihuahua, alegando que se encontram "numa situação grave e urgente, em resultado de ameaças e perseguições por parte de grupos de crime organizado".[54]
Para além dos ataques à vida e à integridade física de religiosos e leigos no período em análise, registaram-se também vários casos de vandalismo, ofensas aos sentimentos religiosos e graves impedimentos ao exercício da liberdade religiosa. O relatório do CCM refere que, nos últimos seis anos, os ataques a locais de culto e as profanações aumentaram ao ponto de atingirem uma média de 26 por semana.[55]
A Associação de Pastores Evangélicos denunciou o facto de os narcotraficantes do estado de Chiapas exigirem o pagamento de 1.500 dólares americanos (1.287 euros) por mês em dinheiro de protecção para que as igrejas possam permanecer abertas.[56] Estas ameaças também ocorreram na capital.[57] Católicos e Evangélicos denunciaram uma onda de violência que os obrigou a encerrar locais de culto,[58] e a comunidade evangélica do estado de Hidalgo denunciaram que os seus dirigentes estavam a ser perseguidos, o que os obrigou a mudar de local. Cinco meses depois, regressaram aos seus locais de origem, graças a um acordo entre as autoridades estatais e municipais.[59]
Registaram-se vários casos de profanação, como na Paróquia de Santa Maria Madalena, em Kino, no estado de Sonora, onde foram destruídas imagens de santos;[60] o Santíssimo Sacramento foi roubado da capela do Senhor das Colheitas, na cidade de Jiutepec;[61] a Igreja de Santiaguito of Iruapato, em Guanajuato, foi alvo de fogo posto;[62] homens mascarados amarraram um sacerdote e assaltaram a Paróquia de São Luís Gonzaga, na Cidade do México, levando cálices litúrgicos de prata;[63] na Paróquia do Verbo Encarnado, em Cuidad Frontera, no estado de Coahuila, os ladrões roubaram vários objectos e profanaram o Santíssimo Sacramento;[64] na Paróquia de São Felipe de Jesus, na Arquidiocese de San Luis Potosí, foram roubados cálices e cibórios com pedras preciosas e câmaras de vídeo;[65] um pastor evangélico dos Estados Unidos destruiu uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe com um machado, no âmbito do seu sermão;[66] e um homem entrou na Igreja do Espírito Santo em Culiacán, Sinaloa, durante a Missa, destruindo várias imagens religiosas e profanando a Eucaristia.[67]
Um homem foi morto durante um conflito entre gangues criminosos na aldeia de Santa Anita, em Guachochi, no estado de Chihuahua, e a igreja foi atingida por centenas de balas, enquanto um sacerdote conseguiu salvar três crianças que ficaram presas no fogo cruzado;[68] O porta-voz da Arquidiocese de San Luis Potosí manifestou preocupação com os constantes ataques contra igrejas no centro histórico da cidade e o clima geral de insegurança;[69] e membros da Guarda Nacional entraram na Paróquia do Sagrado Coração em Veracruz durante a Missa de Domingo, enquanto perseguiam um imigrante que se tinha escondido na igreja.[70]
Tal como em períodos anteriores, as manifestações no Dia Internacional da Mulher, a 8 de Março, resultaram em actos de vandalismo contra bens públicos e privados, incluindo igrejas católicas, que foram grafitadas ou danificadas de alguma forma em diversas partes do país, incluindo Oaxaca, Durango, Aguascalientes, Monterrey, León e Puebla. Na Cidade do México, os manifestantes acenderam fogueiras à porta da Catedral Metropolitana e lançaram fogo de artifício por cima das vedações que tinham sido erguidas para proteger o edifício.[71]
Os meios de comunicação social evangélicos e secularistas denunciaram o assédio por parte dos Católicos. Em Dezembro de 2022, uma mulher baptista em Hidalgo foi amarrada a uma árvore e espancada por líderes comunitários que tentavam impedir os baptistas de cultivar as suas terras.[72] Uma Igreja evangélica foi incendiada em Oaxaca devido ao facto de as autoridades eclesiásticas se terem recusado a pagar uma taxa relativa a uma festa de um padroeiro, e a comunidade acusou a cidade de recusar uma licença para a reconstruir, com base no facto de se tratar de uma zona de maioria católica.[73] Em Chiapas, uma casa foi incendiada durante as tentativas de construção de uma igreja evangélica. A população local, maioritariamente indígena, praticava tradicionalmente o Catolicismo e as crenças indígenas, mas muitos indígenas tinham adoptado recentemente a fé evangélica.[74] Pelo menos 500 evangélicos foram deslocados das suas comunidades na região de Oaxaca depois de se terem recusado a renunciar à sua fé.[75] Os que se convertem a confissões cristãs não católicas dizem que estão sujeitos a ataques e tanto a polícia como o exército tiveram de intervir para travar os conflitos.[76] Os incidentes contra as comunidades evangélicas levaram o Congresso de Oaxaca a ordenar às cidades locais que combatessem a intolerância e implementassem programas para incutir o respeito pelas crenças religiosas.[77]
Durante o período em análise, o Supremo Tribunal de Justiça tratou de casos relacionados com a liberdade religiosa. Foram apresentadas três queixas contra cidades de Yucatán, com o objectivo de impedir a utilização de dinheiros públicos para pagar presépios, argumentando que tal violava os princípios de um Estado laico. O assunto gerou muita discussão.[78] No final, um dos queixosos desistiu da acção judicial e, até agora, o Tribunal apenas proferiu projectos de acórdão sobre a questão.[79] A Igreja Católica participou no debate e apelou ao respeito pela liberdade religiosa.[80] Outra controvérsia surgiu em relação às alterações no conteúdo dos manuais escolares do ensino primário, distribuídos gratuitamente e alinhados com o plano "Nova Escola Mexicana" do presidente López Obrador, que inclui a ideologia de género e os princípios socialistas marxistas, com os quais muitos pais discordavam. Houve críticas à decisão de modificar o conteúdo sem a participação ou consulta prévia de diferentes agentes do mundo educativo, conforme previsto na Lei da Educação.[81]
Entretanto, os tribunais mexicanos decidiram a favor da diocese de Querétaro, que rejeitou o pedido de uma pessoa transgénero para que o sexo fosse alterado no seu registo de baptismo "para reflectir a sua pretensão de ser mulher, e não homem". Este facto implica o reconhecimento da autonomia das organizações religiosas.[82]
O Tribunal Eleitoral emitiu uma decisão em que considera que a figura da “santa morte”, imagem de um esqueleto que se faz passar e imita a imagem da Virgem Maria, considerada parte de um culto satânico, não representa um símbolo religioso e, por isso, a sua utilização em propaganda eleitoral não viola o princípio da laicidade do Estado.[83] Por outro lado, considerou que as declarações do Cardeal Juan Sandoval poderiam ter afectado o processo eleitoral, violando assim a separação entre a Igreja e o Estado. O Cardeal Sandoval tinha dito num vídeo: "Se os que estão no poder ganharem, o comunismo está a chegar".[84]
O Instituto Eleitoral de Tamaulipas emitiu uma repreensão contra um sacerdote por ter violado o princípio da laicidade ao celebrar uma missa para assinalar o início da campanha eleitoral.[85]
Em Abril de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que o direito à liberdade religiosa não é absoluto, mas sim limitado pela Constituição, ao declarar que não abrange as práticas religiosas tipificadas como crimes. A sentença referia-se ao caso de uma sacerdotisa da religião "Santería Cubana" que tinha interposto uma acção judicial para tentar contornar práticas consideradas prejudiciais para os animais.[86]
Relativamente ao poder executivo, em Novembro de 2023, o então presidente López Obrador pediu para se reunir com a Conferência Episcopal para discutir os problemas do país.[87] Em Abril de 2024 tornaram-se virais imagens de t-shirts com uma imagem semelhante à "santa morte" e slogans de apoio a López Obrador. Na sua reacção, o presidente pareceu tolerar a acção como uma expressão da liberdade religiosa dos cidadãos. O presidente acrescentou que todos têm o direito de ter, ou não, uma religião e que é preciso respeitar os fiéis.[88] A Igreja Católica exprimiu a sua preocupação relativamente ao culto da "santa morte" e à cultura do narcotráfico, que considera serem os motores da violência e da cultura da morte.[89] Alguns dias mais tarde, o antigo pesidente acusou o Cardeal Juan Sandoval de ter pedido aos Estados Unidos que interferissem na campanha presidencial de 2006 para o impedir de chegar ao poder.[90] Em Outubro de 2024, na sua primeira mensagem após ter sido eleita, a actual presidente Claudia Sheinbaum declarou que o seu Governo respeita a liberdade de imprensa, bem como a liberdade religiosa e sexual.[91]
Por outro lado, a pedido da Rede Evangélica, a Secretaria de Educação de Veracruz emitiu instruções que isentam os alunos de famílias evangélicas de participar nas festividades do Dia dos Mortos, que são tradicionais no México, mas não entre a comunidade evangélica.[92]
As manifestações de religiosidade popular na esfera pública continuam a ter lugar no México. Em Oaxaca, por exemplo, celebra-se o Dia da Mulher Samaritana, durante o qual jovens mulheres se vestem a rigor e distribuem água em bancas decoradas com flores.[93] A Semana Santa é tradicionalmente celebrada em várias cidades do país. San Luis Potosí e Guerrero acolhem a Procissão do Silêncio,[94] e dezenas de milhares de jovens participam na peregrinação ao monumento de Cristo Rei, em Guanajuato, no final de Janeiro[95] durante a qual, em 2024, o tema foi a liberdade religiosa.[96] A peregrinação à Basílica de Guadalupe realiza-se todos os anos por volta do dia 12 de Dezembro e, em 2024, mais de 12 milhões de pessoas visitaram-na nesse dia.[97]
A Igreja Católica desempenha um papel significativo a nível social e comunitário. Face ao aumento da violência, da corrupção e da impunidade, durante a Páscoa de 2023, a Conferência Episcopal, a Conferência dos Superiores Maiores, a Província Jesuíta, juntamente com uma associação laica, convocaram um Diálogo Nacional pela Paz, a realizar na Universidade de Puebla em Setembro, e apresentaram uma proposta às autoridades e ao país.[98] Em 2024, a Igreja promoveu um diálogo que resultou numa trégua entre os cartéis da droga no estado de Guerrero, uma zona assolada pela violência.[99] Após o assassinato a tiro de seis migrantes pelo exército, em Outubro de 2024, a Arquidiocese do México manifestou o seu apoio aos direitos dos migrantes que passam pelo México a caminho dos Estados Unidos, oferecendo-lhes alternativas de trabalho e educação. Estas acções tornam a Igreja um alvo para organizações criminosas envolvidas no tráfico de pessoas e noutras actividades ilegais.[100]
Em Março de 2025, a Conferência Episcopal manifestou a sua profunda preocupação com a descoberta de um campo de extermínio pertencente a um cartel de droga, onde os corpos de cerca de 200 desaparecidos teriam sido cremados. A Conferência Episcopal ofereceu os seus serviços para promover o diálogo e a cooperação para a reconstrução do tecido social.[101] A Conferência Episcopal Mexicana denunciou os actos de violência e manifestou a sua preocupação com a existência de crime organizado a nível social e com a impunidade com que são cometidos os actos de violência.[102]
Finalmente, em Março de 2025, após a descoberta do campo de extermínio e formação para o crime organizado, a Conferência Episcopal afirmou que existiam muitos destes locais no país, acrescentando que “estas descobertas trazem à luz provas de negligência irresponsável por parte dos funcionários do Governo” em termos de um dos problemas críticos que o país enfrenta, que é o desaparecimento de pessoas.[103]
Perspectivas para a liberdade religiosa
O México continua a enfrentar um cenário desolador de assassinatos de clérigos e leigos, bem como de agressões, extorsão e profanação de locais de culto e de objectos sagrados, tudo agravado por um clima de flagrante impunidade. O crime organizado, o tráfico de droga, as disputas de terras e a corrupção continuam inabaláveis. Outros relatórios concluíram que o México é um dos lugares mais perigosos do mundo para o trabalho pastoral. Na ausência de acção do Estado, em zonas dominadas pelo crime organizado, os líderes religiosos levantam a voz contra a violência e assumem o papel de protectores das suas comunidades. Isto transforma-os em alvos para impor medo e silêncio aos moradores, o que, por sua vez, permite que os grupos criminosos continuem a traficar armas e drogas. A tensão que resulta num país oficialmente laico, mas com uma forte presença religiosa, surge frequentemente nas discussões e decisões tomadas a nível executivo, legislativo e judicial. Os apelos ao respeito pela laicidade do Estado e pelo princípio da separação entre a Igreja e o Estado lançam frequentemente suspeitas sobre qualquer acção ou decisão que reconheça a dimensão espiritual e/ou religiosa das pessoas. As perspectivas para o futuro, já negativas, agravaram-se após mudanças no Governo e no sistema judicial, que favorecem a impunidade e incentivam a ousadia dos criminosos.
Os Mexicanos queixam-se de que o seu direito a viver em paz e segurança foi ameaçado por uma cooperação inesperada e implícita, difícil de medir, entre a actividade de gangues criminosos e a omissão do Governo, levando a uma espiral de violência que deixa a população privada até dos direitos humanos mais básicos, incluindo o direito à liberdade religiosa.
Fontes